“A terceirização é um modelo de contratação baseado na precarização das condições de trabalho”

A advogada Gabriela Neves Delgado, líder do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania” (UnB – CNPq) e responsável pela organização do seminário realizado em Brasília sobre terceirização, aborda a temática em suas diversas nuances e opina sobre a repercussão geral no STF sobre o assunto. Confira.
Em sua opinião, quais os maiores problemas causados pela terceirização e quais os impactos que ela traz sob a ótica das condições de trabalho?

A terceirização é um modelo de contratação fortemente baseado na precarização das condições de trabalho, que desafia a concretização de um processo de socialização humanizado e de proteção regulada pelo Direito.

Em sua dinâmica de exclusão social, além de intensificar a privação de direitos fundamentais dos trabalhadores terceirizados, também os impede de consolidarem sua identidade de classe a partir do trabalho realizado. Esta segregação ocorre especialmente nos espaços coletivos de trabalho, dificultando a organização sindical e a negociação coletiva.

Como avalia o avanço que tem sido constatado nos últimos anos em relação à utilização cada vez maior da contratação de serviços terceirizados? Quais os principais efeitos práticos dessa realidade?

Sobretudo a partir da década de 1990, a terceirização se expandiu por diversos setores da economia brasileira, provocando uma série de repercussões deletérias no ambiente de trabalho e no padrão regulado e protegido de contratação trabalhista, fundado na clássica relação de emprego.

Entre os multifacetados efeitos práticos dessa realidade, pode-se destacar o fato de que a terceirização promove alta rotatividade do trabalhador terceirizado por diversos postos de trabalho, com grave instabilidade relacional em seu vínculo de emprego.

A alta rotatividade viola, em grande medida, o padrão constitucional de proteção trabalhista, ao prejudicar o gozo de direitos fundamentais pelo trabalhador terceirizado, sendo também fator que dificulta sua adequada inserção à Previdência Social.


Alegam algumas pessoas que faltariam normas mais precisas sobre a terceirização e que isso geraria uma situação de insegurança jurídica. Outros dizem que a jurisprudência traria restrições não previstas no ordenamento jurídico. Como analisa esses argumentos?

A terceirização é, e deve ser, fenômeno de exceção nos marcos do processo civilizatório deflagrado pela Constituição de 1988. É o que reconhece a Súmula 331, que evidencia as hipóteses excetivas de terceirização. É incabível falar-se em generalização dessa fórmula excepcional de gestão trabalhista nas empresas e instituições. A jurisprudência trabalhista, na verdade, apenas tem mantido a terceirização como fórmula excepcional, ao invés de autorizar, contrariamente aos princípios e regras constitucionais, sua generalização descontrolada na economia e nas relações sociais.

O STF, recentemente, reconheceu a existência de repercussão geral em processo envolvendo terceirização de serviços. Quais questões se discutem, efetivamente, em tal processo, e quais são, em sua opinião, as possíveis implicações desse julgamento?

O enunciado de repercussão geral 725/STF trata da liberdade de contratação de terceirização na atividade-fim das empresas, ao argumento de que não há lei que lhe proíba e de que, não havendo vedação legal, a restrição jurisprudencial violaria a liberdade constitucional de contratação.

Se prevalecer tal raciocínio, ocorreria um esvaziamento do sistema constitucional de proteção ao trabalho humano, por lhe negar aptidão para firmar condicionamentos à “livre contratação”, por meio da nulificação dos atos voltados a fraudar o sistema de proteção social trabalhista. O aparente suposto de que o poder econômico não possui limites, salvo os expressamente inseridos em texto legal, empobrece e desrespeita a Constituição da República, como se fosse mero discurso vazio, ao largo do rol de princípios, regras e institutos constitucionais que asseguram a efetiva centralidade da pessoa humana na ordem jurídica.

No recente seminário realizado em Brasília para debater a terceirização, a matéria foi discutida por diversos acadêmicos de várias partes do Brasil e por muitas autoridades, de variados segmentos. Quais os principais encaminhamentos obtidos a partir do evento?

No seminário em Brasília foram aprovadas diversas resoluções, com destaque para a necessidade de formulação de audiência pública no STF, com ampla participação do Fórum, das entidades que o integram e de pesquisadores especializados na temática da terceirização. Também se deliberou pela necessidade de edição de um livro com todos os debates apresentados no seminário.