“Todos os trabalhadores têm iguais direitos, independentemente da função que exerçam”

A ministra do TST, Delaíde Alves Miranda Arantes, aborda as medidas que podem contribuir para erradicação do trabalho escravo e faz um panorama sobre a eficácia da Emenda nº 72, que tem como pilares a igualdade e a valorização do trabalhador doméstico. Confira.
Sua trajetória profissional está ligada umbilicalmente à área dos direitos sociais. Como avalia esse relevante segmento da área jurídica na realidade brasileira?

A nossa Constituição Cidadã de 1988 estabelece como objetivos da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

Preconiza ainda a Carta Magna, a afirmação da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Os direitos sociais incluem educação, trabalho, previdência social, proteção à maternidade, à infância e assistência. Os direitos dos trabalhadores são conquistas sociais desse mesmo contexto.

A exploração do trabalho escravo, apesar dos avanços constatados em seu combate nos últimos anos, ainda se apresenta como uma lamentável realidade no setor urbano e rural em nosso país. Em sua opinião, quais medidas poderiam contribuir para a erradicação da escravidão contemporânea?

Uma lamentável realidade, em pleno Século XXI. Para a erradicação do trabalho escravo é necessária mudança de mentalidade de determinados segmentos da sociedade. Mudar paradigmas. As leis precisam ser cumpridas. Ainda assim, não é o suficiente para banir esse grande mal. Medidas de caráter punitivo como a aplicação de multas, o corte de crédito ao infrator ou apreensões das mercadorias não resolvem de todo o problema, pois os setores dados à exploração humana consideram ‘vantajoso’ utilizar-se de mão de obra escrava.

O trabalho escravo, além de demonstrar atraso, retrocesso, prejudica a imagem do Brasil no exterior, provocando restrições comerciais. A erradicação é de suma importância e urgente.

Em relação ao trabalho infantil, principalmente no âmbito doméstico, em que as dificuldades de fiscalização são muito maiores, como vislumbra uma atuação mais eficaz para modificar essa grave realidade?

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem dez milhões de crianças trabalhando em casa de terceiros no mundo. No Brasil, as estatísticas oficiais contabilizam cercam de 400 mil crianças nessa situação. O Ministério do Trabalho não tem poder de polícia. O auditor fiscal do trabalho não pode entrar nas casas quando recebem denúncias de trabalho doméstico. O lar é inviolável e nessa situação os fiscais do trabalho oficiam o Ministério Público e o Conselho Tutelar para que seja empreendida a ação necessária.

A conscientização da sociedade sobre o direito da criança de brincar e estudar, sobre as garantias constitucionais, o implemento de políticas públicas, com escolas em tempo integral, aliado ao dever de todo cidadão de contribuir para a erradicação do trabalho infantil, serão, com certeza, eficientes mecanismos para tirar o Brasil desse quadro.

Considerada a recente aprovação da PEC que trata da isonomia entre trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores, como observa as manifestações, muitas vezes de cunho preconceituoso, envolvendo alguns setores da sociedade? Como avalia a anunciada regulamentação da emenda constitucional?

A Emenda 72 promulgada pelo Congresso Nacional no dia 2 de abril de 2013 é de suma importância para o processo democrático brasileiro e para o cumprimento de preceitos fundamentais da Constituição Federal, que tem como pilares a igualdade e a valorização do trabalho. A efetivação dos direitos dos trabalhadores domésticos é quase uma imposição, para se corrigir uma injustiça que vem dos tempos da escravidão, traduzida em preconceito e discriminação, tratamento dispensado a uma parcela tão importante e significativa de trabalhadores, que, no Brasil, são mais de 7 milhões.

Essa parcela da sociedade que reclama desse avanço precisa mudar seus conceitos e agir em consonância com os ditames deste século, sem discriminação. Todos os trabalhadores têm iguais direitos, independentemente da função que exerçam. Em 2013 comemoramos os 70 anos da CLT. E, ao mesmo tempo, 70 anos de exclusão dos trabalhadores domésticos. A única explicação possível para tanta polêmica é uma certa ideia de grande parte da sociedade, de que ao doméstico é permitido trabalhar sem fixação de jornada. Sem dúvidas, resquícios da escravidão.

O empregado doméstico é um ser humano que merece respeito, tem família, tem filhos, precisa ter tempo para estudar, para o lazer, para cuidar da família e nada justifica exigir mais de 8 horas por dia de trabalho. A Emenda 72/13 melhora a situação dos domésticos. Ela veio como resposta, ainda que tardia, dos reclames dos empregados domésticos pela igualdade de direitos e tratamento, após a aprovação pela OIT, em 2011, da Convenção 189 e Recomendação 201, de implementação do trabalho decente para os trabalhadores domésticos, no âmbito de 183 países do mundo.