“Instituições de saúde do mundo todo têm posição firmada sobre o efeito carcinogênico do amianto”

A engenheira de segurança do trabalho Fernanda Giannasi aborda os malefícios que o amianto traz para a saúde dos trabalhadores. Discute, ainda, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que estão em processo de julgamento no STF. Para ela, não existe nível seguro e controlado de utilização da substância.
Há cerca de dois anos, em entrevista concedida ao Informativo da ANPT, a senhora afirmou que faltava “vontade política” para que houvesse o fim da utilização do amianto no Brasil. Passado esse período, e com o julgamento das ADIs que tratam da matéria recentemente iniciado e interrompido no STF, como avalia o cenário atual em relação ao tema?

Pouca coisa avançou do ponto de vista dos poderes Executivo e Legislativo federais, já que o relatório da comissão interministerial e projetos de lei continuam dormitando nas gavetas tanto do Palácio do Planalto como do Congresso Nacional, respectivamente. Pelo andar da carruagem, temo que fi quem ali por muito mais tempo ainda. No judiciário, onde depositamos nossas últimas esperanças, continuamos num impasse, pois, apesar de iniciado o julgamento sobre as leis dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul ser ou não declaradas constitucionais, invadirem ou não competência exclusiva da União, e estarmos praticamente empatados no placar, entre votos válidos e manifestados, não se sabe quando este debate interrompido voltará à plenária do Supremo. A ADI que trata da inconstitucionalidade da lei federal que permite o uso controlado do amianto e tem como relator o atual presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britt o, que se aposenta dia 18 de novembro, não pôde ser apreciada por falta de quórum e provavelmente ficaremos sem este importante voto, o que lamentamos profundamente.


Acredita que ainda existam dúvidas em relação à nocividade do amianto?
Esse seria uma dos entraves enfrentados para que ocorra o seu banimento?


Esta é uma falsa discussão e não mais se sustenta, pois as principais e mais renomadas instituições de saúde do mundo têm posição firmada sobre o efeito carcinogênico do amianto para os seres humanos. Entre elas, a Organização Mundial da Saúde, que, em seu Critério de Saúde Ambiental 203 sobre o Amianto Crisotila, de 1988, afirma que “a exposição ao amianto Crisotila acarreta riscos aumentados para a asbestose, câncer do pulmão e mesotelioma, de maneira dose-dependente, e que não foram identificados limites abaixo do qual seja segura a exposição para os riscos de câncer”. Portanto, não há o propalado uso seguro ou controlado do amianto crisotila de Goiás. A dúvida é, sim, um “produto” criado pela indústria do amianto a cada nova evidência e certeza científica, apenas com objetivo procrastinatório sobre uma decisão que todos estão cientes que virá - a proibição do amianto-, tanto é que as indústrias já falam em modulação de efeitos, no caso do STF declarar a inconstitucionalidade da lei federal do uso controlado. No dia 7 de novembro último, ao ser debatida a lei de banimento do amianto no município de Curitiba e na iminência de uma debacle total, as empresas articulavam não mais a continuidade ada eternum do amianto, mas sim o prazo para a chamada “transição segura” para mudança para a tecnologia asbestos-free ou isenta de amianto.

Qual a posição do Brasil, atualmente, em relação à produção e à comercialização do amianto no cenário internacional? Como se dá o trato da questão no âmbito dos países desenvolvidos ?

O Brasil é atualmente o terceiro maior produtor mundial, atrás apenas da Rússia e China, com uma produção média de 302 mil toneladas/ano (dados de 2011), que corresponde a 15% do total mundial. É o segundo maior exportador (depois da Rússia) e o quarto maior utilizador, atrás da China, Índia e Rússia. O Brasil, portanto, está numa posição de destaque na geopolítica mundial do amianto, a bem dizer na contramão, já que 66 países em todos os continentes proíbem a produção, utilização e comercialização do mineral reconhecidamente cancerígeno.

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Bahia manteve sentença que condenou uma empresa que explora a produção do amianto a indenizar um ex-funcionário que poderá desenvolver doenças pulmonares por ter inalado amianto. Como essa questão é tratada no restante Brasil e nos demais países, a exemplo da comunidade europeia?

Para nós, no Brasil, a tese do dano presumido é uma questão ainda muito nova e pouco discutida. Certamente, ainda vai gerar muita polêmica e resistência dos tribunais mais conservadores. Mas há precedentes relevantes e recentes, como, por exemplo, o ocorrido no julgamento do processo crime contra a ETERNIT na Itália, em 13 de fevereiro deste ano, em Turim, onde o vértice empresarial foi condenado a 16 anos de prisão e ao pagamento de 100 milhões de Euros pelos danos causados a, aproximadamente, 3.000 cidadãos vitimados pela fibra mortal do amianto. No elenco dos que se constituíram como parte civil, neste rumoroso processo, há um grupo considerado de alto risco de desenvolver doenças relacionadas ao amianto, submetidos a um enorme sofrimento psíquico e para quem foi determinado pagamento de indenização pelo dano presumido. É sem sombra de dúvidas um grande avanço no meu entender e, se prosperar, pode mudar radicalmente o curso da história contemporânea das relações de trabalho.

Foto: Arquivo pessoal