"O perfil do advogado é muito mais de solucionador do problema do que de estudiodo do caso"

Presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, aborda a popularidade dos cursos de Direito no Brasil e explica as mudanças que vêm ocorrendo ao longo da história. Ele explica, ainda, as vantagens da virtualização de processos e a parceria com a ANPT na proteção dos direitos dos trabalhadores.
Os cursos de Direito no Brasil têm passado por profundos processos de mudança nos últimos tempos. Como avalia o ensino superior nessa área e qual o novo perfil dos profissionais das carreiras jurídicas?

A massificação do ensino jurídico no Brasil proporcionou uma qualidade bastante crítica na formação dos bacharéis em Direito, realidade que tem uma repercussão direta nos resultados dos Exames de Ordem e nos concursos para a magistratura, para o Ministério Público e demais carreiras ligadas ao Direito. Essa massificação no ensino jurídico e a perda de qualidade na educação têm levado à formação de um mercado focado, sobretudo, nos concursos públicos, ao invés de formar pessoas com visão crítica, sociológica e filosófica. Por essa razão, temos um mercado extremamente pragmático, em que se busca especializações. Não que isso seja algum pecado, mas a especialização de hoje é superficial, muito mais voltada para conseguir uma vaga por meio do concurso público. O perfil do advogado, hoje, é muito mais de solucionador do problema do que de estudioso do caso.

Como tem observado o interesse dos bacharéis em Direito pelas carreiras do Ministério Público, da magistratura e da própria advocacia?

O leque de oportunidades do curso de Direito é muito amplo, o que explica também o fato de ser um dos mais procurados. O problema está na qualidade e nos seus reflexos nas carreiras dos operadores de Direito. Devemos buscar a melhoria do ensino jurídico, a fim de que tenhamos melhores quadros nas três principais carreiras no mundo jurídico.

Em relação às entidades de classe representativas de profissionais do Direito, a exemplo da ANPT, como avalia as possibilidades de parceria e de trabalho conjunto com a OAB, visando ao fortalecimento dos pontos convergentes das categorias? Como se daria tal atuação?

Hás alguns temas que podemos trabalhar conjuntamente com a ANPT. A questão do meio ambiente saudável para o trabalhador é um deles. Em que pese vivermos em meio a uma revolução tecnológica, ainda há nos setores industrial e no comércio um desrespeito grande à legislação trabalhista e às normas que dão ao empregado algumas garantias de saúde e medicina do trabalho. Outra temática importante para uma relação mais estreita entre a OAB e a ANPT é o combate à prática do trabalho escravo. Devemos sair em defesa dos princípios que regem a relação de emprego e que queremos ver respeitados, tais como a carteira de trabalho assinada, o respeito ao pagamento dos direitos trabalhistas mínimos e à dignidade no ambiente de trabalho.


Uma questão que tem suscitado debates diz respeito à transição do processo de papel para o eletrônico. Como avalia esse momento, as vantagens do processo eletrônico e quais seriam os principais pontos a merecer maior atenção para que problemas sejam evitados?


O Judiciário brasileiro encara a virtualização dos processos como uma forma de imprimir celeridade e efetividade ao princípio da razoável duração do processo. Entretanto, vivemos em um país em que há problemas sérios de estrutura de telefonia e de circulação de dados. Existem Estados na região Norte, por exemplo, em que sequer há internet em banda larga. Logo, como é possível se falar em um processo virtual pleno, como defende, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho, se temos essa realidade no Brasil? Não podemos pensar um processo eletrônico a partir da concepção dos que moram em Brasília e trabalham nos Tribunais Superiores sem enxergar as dificuldades que afligem o juiz de primeiro grau, o advogado militante e o próprio cidadão, que, ao final, será o grande prejudicado se houver a implantação do processo eletrônico da forma em que está, sem que se leve em conta todos esses problemas estruturais, além dos diversos sistemas que vêm sendo adotados.