“Não se pode vender como mercadoria o trabalho humano”

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Luiz Philippe Vieira de Mello Filho recebe homenagem da ANPT no XVI CNPT e aborda, nesta entrevista, a questão da terceirização da atividade fim, a competência da Justiça do Trabalho e, também, temas de interesse para os operadores do Direito
Qual a sua opinião sobre a Ação Civil Pública (ACP) para resolver conflitos trabalhistas?
O importante na ação coletiva não é só a abrangência da lesão e a quantidade de ações que você evita, mas, também, deve ser verificado o aspecto da uniformidade das decisões. Ela é o instrumento que assegura uma igualdade do início ao fim do processo. Não só direito ao processo, mas no processo e na decisão judicial. A ACP possibilita que entes legitimados ingressem em juízo,afastando a pessoalidade daqueles que sofreram a lesão, a fim de prevenir uma lesão ou a própria tutela da lesão perpetrada. Ela tem, por outro lado, trazido as questões mais importantes relativas às violações de direitos fundamentais e de direito do trabalho.

A legislação da ACP precisa de uma Reformulação?
Ela tem que ser adequada, porque é uma legislação antiga, muito embora eficiente. Ao longo do tempo algumas questões se mostraram extremamente relevantes e não tiveram a necessária solução jurisdicional, haja vista, por exemplo, aquela que diz da extensão do dano e fixação de competência e vincula indevidamente o efeito da coisa julgada com competência, além da necessidade de um cadastro nacional de ações coletivas, por exemplo.

A terceirização da atividade fim pode significar precarização das relações de trabalho?
O problema é a extensão da terceirização, e o modo como ela é feita.Terceirização de atividade fim, a meu juízo, importa não na precarização do trabalho, mas sim na revogação do Direito do trabalho, que nasceu, efetivamente, para evitar a exploração do homem pelo homem. Não se pode vender como mercadoria o trabalho humano. O que acho mais grave é que, por uma legislação federal administrativa, admite-se terceirização de atividade fim e ninguém cuida de questionar se esse aspecto fere de morte a essência do Direito do Trabalho, que não permite que se faça locação do trabalho humano.

A curto, médio ou longo prazo essas questões podem ser resolvidas?
Acho que sim. Existem três propostas de regulamentação dentro do Congresso Nacional, que evidenciam a necessidade de uma reforma. Não se pode falarem reforma trabalhista sem se pautar uma atualização da legislação de forma justa e equânime. Como se daria? É preciso reformular o Direito Coletivo antes de qualquer modificação no Direito Individual, sob pena de desequilíbrio da relação entre os atores sociais e jurídicos, sobretudo em face da terceirização que pulveriza a representação profissional, em detrimento da coesão da representação patronal. Além disso, decisões do Supremo, sob a ótica da Súmula Vinculante 10, têm, per saltum, sem observar os argumentos da Justiça do Trabalho, suspendido decisões do TST, quando não se alega inconstitucionalidade da lei sopesada frente ao sistema jurídico. Ninguém se lembra que o Direito do Trabalho está sendo mutilado profundamente pela via judicial e não legislativa.

Tem havido uma tentativa de restringir a competência da Justiça do Trabalho?
Curiosamente após a emenda 45, que era para haver uma ampliação da competência, nós estamos vivendo um retrocesso social. À medida que essas questões são submetidas ao Supremo, estamos visivelmente perdendo competência. Durante mais de 20 anos o STF sempre entendeu que tendo origem no contrato de trabalho, a competência para julgar ações envolvendo complementação da aposentadoria era da Justiça do Trabalho, agora parece caminhar para a competência da Justiça Comum. Nossa competência, a meu juízo, está do mesmo tamanho que estava ou menor.

Se essa situação continuar assim, onde acredita que poderá chegar?
Acho que nós estamos vivendo impasses sérios. Quando se cogita de uma reforma trabalhista deveria pensar-se na proteção e a valorização do trabalho humano. Todavia, quase todas têm em comum apenas um sentido econômico. Mas acredito, no meu ideal, na importância de uma justiça especial e na luta contra um retrocesso social.

Como avalia a homenagem que recebe no XVI Congresso Nacional dos Procuradores do Trabalho?
Para mim é muito especial, porque eu não estou acostumado a receber homenagens. É um reconhecimento e um estímulo, a meu juízo, vindo dos membros do Ministério Público do Trabalho, que é um órgão pelo qual eu tenho a maior admiração, que tem trazido grandes questões para o seio da Justiça do Trabalho, para a solução de conflitos judiciais, exercendo um papel social extremamente relevante na contenção e coibição de lesões a direitos trabalhistas.