XXIV CNPT: painel aborda a proteção social trabalhista e a manutenção da democracia em meio às desigualdades sociais

Intransigência na defesa dos direitos sociais. Esse foi o alerta proferido pela juíza do Trabalho Valdete Souto Severo durante o painel com o tema “Proteção social trabalhista e democracia em cenário de desigualdade social”, direcionado a uma plateia de membros do MPT que participam do XXIV Congresso Nacional dos Procuradores do Trabalho (CNPT).   

A palestra assertiva de Valdete Souto teve início pelo questionamento da relação entre capitalismo e democracia. Segundo a juíza, a ideia de que ambos são aliados é equivocada, e isso pode claramente ser visto mediante a análise de regimes que adotam o sistema capitalista e, dessa forma, observam um aprofundamento das desigualdades. “Não existe igualdade em países capitalistas. O horizonte de direitos sociais é limitado, e não dará conta dos nossos problemas. Temos que pensar além desse modelo de sociedade”, afirmou.

A palestrante foi taxativa ao interpretar a realidade democrática à luz de uma sociedade sem proteção social mínima. “Não temos proteção social no nosso país, nunca tivemos. O que estamos fazendo agora é rifar os poucos direitos que sequer conseguem ser exercidos na prática das relações de trabalho”, lamentou. A afirmação foi contextualizada com base na lógica de “senhores e escravos”, que perdurou no país por cerca de 400 anos. Valdete Souto utilizou-se, de forma ilustrativa, da legislação vigente que atende os trabalhadores domésticos, em sua maioria composto por mulheres. “Até hoje tratamos trabalhador doméstico como trabalhador de segunda categoria. Não implementamos políticas públicas de inclusão após o fim da escravidão, e as pessoas tiveram que aceitar as condições de trabalho que lhe foram oferecidas. Se não prestarmos conta do nosso passado, esses fantasmas voltam para nos assombrar”, disse.

A juíza chamou atenção para o retrocesso social imposto ao longo dos últimos governos, citando a reforma trabalhista e a reforma da Previdência como exemplos de subtração de direitos, cuja implantação traz graves prejuízos às gerações futuras. Mas, para ela, o judiciário trabalhista foi diretamente responsável pelo cenário anacrônico vivido atualmente pelos brasileiros. “Os maiores desmanches para a classe trabalhadora tiveram início nos anos 90, quando a magistratura instituiu conceitos como banco de horas e terceirização, dentre outros. A partir daí começamos a eliminar o concurso público para ingresso em entes públicos, no momento em que admitimos a possibilidade de terceirizar qualquer coisa, uma vez que nunca houve a delimitação do que são as atividades fim e meio”, esclareceu.

Após fazer críticas direcionadas ao Supremo Tribunal Federal e à sua contribuição para o fim gradativo da proteção aos trabalhadores, Valdete Souto disse que o momento exige que juízes, procuradores, sindicalistas e advogados sejam “intransigentes” na defesa dos direitos trabalhistas, como única forma de reverter o cenário político e econômico. “Sem radicalidade, não vamos durar mais uma década, e temos responsabilidade pelas gerações que nos sucedem”, finalizou.

Valdete Souto Severo é juíza do Trabalho, doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e mestra em Direitos Fundamentais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.  

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