A Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) participou nessa terça-feira (11), de audiência pública conjunta das Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e de Trabalho (CTRAB) da Câmara dos Deputados, que discutiu “Novas relações de trabalho e o papel do Judiciário”. Representando a entidade, o diretor de Assuntos Legislativos, Tiago Ranieri de Oliveira, apresentou a posição da ANPT sobre os desafios impostos pelas transformações do mundo do trabalho e o papel essencial da Justiça trabalhista na garantia da proteção social e da dignidade humana.
Em sua manifestação, Tiago Ranieri ressaltou que a competência constitucional da Justiça do Trabalho é uma cláusula de proteção democrática, devendo ser preservada diante das novas formas de contratação surgidas em um cenário cada vez mais tecnológico e fragmentado. Segundo ele, a Emenda Constitucional nº 45/2004 define que cabe à Justiça do Trabalho processar e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho e não apenas aquelas regidas pela CLT. Assim, modelos como o trabalho por plataformas digitais, a pejotização, a terceirização ampliada e o teletrabalho não afastam essa competência, mas a reforçam. “Limitar a Justiça especializada significa fragilizar a tutela trabalhista e o acesso à justiça, especialmente nos casos em que o reconhecimento de vínculo depende da prova e da análise da realidade concreta”, afirmou.
O diretor destacou ainda o princípio da primazia da realidade, segundo o qual os fatos devem prevalecer sobre a forma jurídica dos contratos. Ele lembrou que, mesmo em arranjos laborais considerados “novos”, subsistem elementos clássicos de subordinação e dependência econômica, disfarçados sob a aparência de autonomia. “Cabe ao Judiciário exercer seu papel contramajoritário e humanista, desvelando o vínculo real e assegurando a efetividade da proteção social”, afirmou. Ranieri também mencionou a suspensão, há seis meses, de milhares de processos sobre pejotização no Supremo Tribunal Federal (Tema 1389), o que tem retardado a prestação de justiça a trabalhadores que aguardam o reconhecimento de direitos de natureza alimentar.
Outro ponto enfatizado foi a necessidade de preservar a proteção constitucional prevista no artigo 7º da Constituição Federal, que garante direitos fundamentais como salário mínimo, piso, segurança, repouso, férias e FGTS. Para a ANPT, a liberdade contratual tem limites claros, definidos pelo texto constitucional, e não pode ser usada para afastar direitos sociais básicos. Ranieri alertou que a pejotização irrestrita, ou o chamado “empresariamento humano”, colide com a escolha constitucional do Estado brasileiro por proteger a relação de emprego e a seguridade social. Segundo ele, a expansão desse modelo impacta diretamente a base contributiva da previdência e de políticas públicas estruturantes, como habitação e saneamento, gerando evasão fiscal bilionária e aumento da desigualdade, sem falar no impacto negativo, que é a legalização de uma fraude também denominada “empresariamento humano”, nas cotas da aprendizagem, nas de pessoas com deficiência, na equidade de gênero, nos direitos da trabalhadora (licença maternidade, etc).
Durante a audiência, o representante da ANPT também citou a fala recente do advogado-geral da União, Jorge Messias, que qualificou a pejotização “à brasileira” como uma “cupinização dos direitos trabalhistas”, um processo de destruição lenta e quase invisível. Ranieri concordou com a análise e reforçou que “quando a única forma de conseguir trabalhar é abrir um CNPJ, isso não é liberdade econômica. É imposição”. Para o procurador, essa realidade exige uma resposta institucional firme e comprometida com o projeto constitucional de justiça social.
Ao tratar do papel do Judiciário, Tiago Ranieri destacou que o trabalho continua sendo o núcleo da cidadania e da emancipação humana. “O papel da Justiça do Trabalho é garantir que o futuro do trabalho seja também o futuro da dignidade”, afirmou. Ele ressaltou que a especialização da Justiça do Trabalho é um patrimônio civilizatório do país, resultado de décadas de construção jurídica e técnica voltada à compreensão das dinâmicas produtivas, das assimetrias de poder e dos efeitos sociais das relações laborais. “Enfraquecê-la é enfraquecer a democracia”, pontuou.
Encerrando sua manifestação, o diretor reafirmou o compromisso institucional da ANPT com a Constituição da República, com os princípios e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com a defesa intransigente da dignidade da pessoa humana e da justiça social. Para ele, economia digital, algoritmos e novos arranjos produtivos não podem se sobrepor ao valor humano do trabalho. “Cabe ao Legislativo, ao Judiciário, ao Ministério Público do Trabalho, à Advocacia e aos atores sociais recolocar a pessoa no centro da economia, para que inovação e justiça caminhem juntas”, concluiu.
A ANPT reafirmou, ao final, as convicções que orientam sua atuação institucional: o trabalho não é mercadoria; a dignidade não é negociável; e a Justiça do Trabalho é o coração pulsante da democracia social brasileira.

