PEJOTIZAÇÃO: Em audiência pública no STF, ANPT defende proteção dos direitos trabalhistas

PEJOTIZAÇÃO: Em audiência pública no STF, ANPT defende proteção dos direitos trabalhistas
Foto: Rosinei Coutinho/STF

Nesta segunda-feira (6), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou audiência pública destinada a debater os impactos econômicos e sociais da chamada “pejotização” — tema em apreciação no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, correspondente ao Tema 1389. O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, presidiu os trabalhos.

A Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), que é amicus curiae no processo, participou da audiência, por meio da presidenta da entidade, Adriana Augusta de Moura Souza. A manifestação da associação foi centrada especialmente no impacto da pejotização sobre a proteção dos direitos trabalhistas, conforme previsto no item 7 das questões suscitadas para debate: Quais os efeitos da pejotização na proteção dos direitos trabalhistas?”

Contextualização do tema e atuação da ANPT

A ANPT já havia sido admitida como amicus curiae no ARE 1.532.603 — Tema 1389 — que discute não apenas a licitude de contratações via pessoa jurídica ou autônoma, mas também os parâmetros de competência da Justiça do Trabalho para julgar eventuais fraudes e a distribuição do ônus da prova. (Leia mais aqui: anpt.org.br)

Em abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos em tramitação que tratam da pejotização, até que o STF julgue definitivamente a controvérsia (Leia a nota pública da ANPT). A ANPT manifestou “veemente contrariedade” e destacou que a limitação imposta à Justiça do Trabalho ofende sua competência constitucional sob o artigo 114 da Constituição Federal.

No manifesto da ANPT, a presidenta alertava para o risco de esvaziamento da tutela trabalhista e do acesso à Justiça, considerando que muitos casos de reconhecimento de vínculo dependem de produção de provas e análise concreta.

Principais argumentos da ANPT na audiência pública

Na audiência, a  presidenta da ANPT amparou sua exposição em três vetores:

  1. Princípio da proteção e a força normativa do art. 7º da Constituição
    A ANPT ressaltou que os votos proferidos em casos paradigmáticos, como a ADPF 324 e o RE 958.252, que ensejaram o Tema 725 de repercussão geral, fixaram premissas fundamentais para o debate: nos dizeres do relator da ADPF 324, ministro Barroso, “no direito do trabalho, a liberdade de contratar é rigidamente limitada pela Constituição … esses direitos básicos constitucionalizados não podem ser afastados: salário mínimo, piso da categoria, segurança no trabalho, repouso remunerado, férias, FGTS…”

A presidenta da ANPT também destacou trecho do voto do ministro Gilmar no Tema 725:

“Sem trabalho, não há falar-se em direito ou garantia trabalhista … Todos os direitos capitulados nos incisos do art. 7º da Constituição … estarão fadados ao esvaziamento se não dermos essa resposta jurídica a um problema econômico e social sistêmico.”

Partindo dessa base, a ANPT ressaltou que a pejotização irrestrita, ao pretender subtrair o regime protetivo do direito do trabalho, se choca com a escolha constitucional de proteger a relação de emprego, reconhecida e presumida como normativa no art. 7º.

“A partir do pressuposto da relação de emprego como princípio que governa os negócios jurídicos em que a força de trabalho de alguém esteja presente, a constituição ancorou os deveres do estado e da sociedade na proteção de seus cidadãos de forma plena e no próprio desenvolvimento econômico do país”, disse.

  1. Impactos estruturais sobre a seguridade social, arrecadação e investimentos públicos
    A exposição enfatizou que a pejotização não opera em espaço neutro. Os regimes previdenciário e de seguridade social dependem, em larga medida, da contribuição oriunda da folha de pagamento (art. 195, I e II; art. 198, § 3º da CF). A ANPT lembrou que os recursos do FGTS, constituídos a partir dos depósitos sobre remunerações celetistas, exercem papel significativo como indutores econômicos, financiando habitação, saneamento e infraestrutura.

Para se ter uma ideia, a presidenta informou que em 2024 o FGTS destinou R$ 131,2 bilhões para contratações em habitação, saneamento e infraestrutura; R$ 11,5 bilhões em subsídios habitacionais; além de R$ 163,3 bilhões em saques, dentre outras operações. Também foi ressaltado o dado segundo o qual o desempenho financeiro do FGTS reflete o aumento da arrecadação, que ultrapassou R$ 192 bilhões em 2024 — diretamente ligado ao aumento de trabalhadores com carteira assinada e ao crescimento do valor médio dos salários.

Nesse sentido, Adriana Augusta alertou que uma pejotização desenfreada compromete a base contributiva dos sistemas e fragiliza os investimentos públicos essenciais.

  1. Estatísticas recentes e o ônus da prova na fraude contratual
    A ANPT citou a Nota Técnica SEI nº 3025/2025/MTE da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que, com base no cruzamento de dados do eSocial e do CNPJ da Receita Federal, concluiu que, entre janeiro de 2022 e outubro de 2024, cerca de 4,8 milhões de trabalhadores deixaram de ser celetistas e migraram para regime de “pejotização” (3,8 milhões como MEI). Esse fenômeno teria implicado uma evasão contributiva na ordem de R$ 61,42 bilhões, dos quais R$ 23,78 bilhões correspondem à parcela dos trabalhadores.

A procuradora apresentou também o estudo técnico do CESIT/Unicamp (setembro de 2025), que concluiu que a pejotização irrestrita pode elevar desemprego, reduzir salários, desacelerar crescimento econômico, aumentar volatilidade e desigualdade e que os supostos ganhos fiscais e de redução de custos para empresas não compensariam esses impactos negativos.

No que tange ao ônus da prova nas demandas de alegação de fraude na contratação civil, a ANPT defendeu que o trabalhador, em razão de sua hipossuficiência, não pode ser onerado com exigência desproporcional de provas para rebater alegações de ausência de vínculo, especialmente em contextos nos quais a parte contratante detém vasto acesso documental e informacional.

Importância institucional da atuação da ANPT e perspectivas

A participação da ANPT como amicus curiae reforça o seu compromisso institucional de promover a consolidação do direito do trabalho e da proteção social no Brasil. Ao trazer subsídios técnicos, jurídicos e empíricos, a entidade contribui para um julgamento mais informado e alinhado com os valores constitucionais e sociais.

O resultado do julgamento do Tema 1389 terá implicações profundas, pois definirá os limites entre liberdade econômica e direitos sociais, delimitará a competência da Justiça do Trabalho para litígios relativos à fraude contratual, e estabelecerá critérios uniformes para distribuição do ônus da prova.

Para a ANPT, é essencial que o STF reafirme que a flexibilização não pode se traduzir em precarização e que a proteção mínima aos trabalhadores, consagrada no art. 7º da CF, deve permanecer como baliza irreversível nas relações laborais.

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Foto: Rosinei Coutinho/STF