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Em nota técnica, ANPT pede rejeição da PEC que que reduz idade mínima para o trabalho

A Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) divulgou Nota Técnica sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18, de 2011, que altera a redação contida no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição da República, possibilitando o trabalho sob o regime de tempo parcial a partir dos 14 anos.

No documento,  a ANPT ressalta a inconstitucionalidade e a inconvencionalidade da proposição, além de pedir a total rejeição da proposta.

Confira abaixo a íntegra da nota:

 

NOTA TÉCNICA SOBRE A PEC N° 18/2011

 

Proposta de Emenda à Constituição nº 18, de 2011 (PEC

18/2011). Altera o inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 7º ........................................................................

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre

a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos,

salvo na condição de aprendiz ou sob o regime de tempo parcial, a partir de quatorze anos; (NR)

 

 

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES E DAS PROCURADORAS DO TRABALHO – ANPT, entidade que congrega e representa os(as) membros(as) do Ministério Público do Trabalho de todo o País, apresenta manifestação sobre a PEC Nº 18/2011, que altera a redação contida no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição da República, possibilitando o trabalho sob o regime de tempo parcial a partir dos quatorze anos de idade.

A respeito da matéria, a ANPT aponta a inconstitucionalidade e inconvencionalidade da proposição, reforçando os pontos a seguir:

 

  • Há arcabouço jurídico internacional para a garantia de proteção integral de crianças e adolescentes, inclusive o direito humano ao não trabalho, a estabelecer um parâmetro protetivo supranacional, citando-se, de modo exemplificativo, Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924), Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Recomendação n. 146 da Organização Internacional doTrabalho (OIT), Convenção n. 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Recomendação n. 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Recomendação n. 208 da Organização Internacional do Trabalho;

 

  • Tais normas inserem-se em um contexto internacional de adoção, inclusive pelo Brasil, da doutrina da proteção integral, que reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos humanos e fundamentais, evidenciada por meio da Constituição da República de 1988, notadamente no artigo 227, e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069/1990);

 

  • De acordo com as informações oficiais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) quanto aos países signatários da Convenção n. 138 , além do Brasil, 44 países também fixaram a idade mínima para o trabalho em 16 anos, dentre eles Argentina, Bulgária, Canadá, China, Espanha, França, Hungria, Irlanda, Portugal, Ucrânia e Reino Unido;

 

  • Tais dados oficiais também indicam que: a) a Austrália ratificou, em 13 de junho de 2023, a Convenção n. 38 da OIT, e estabeleceu como idade mínima para o trabalho os 15 anos; b) o Canadá fixou a idade mínima para o trabalho de 16 anos, com a excepcional permissão de normas regionais específicas apenas para determinadas atividades; c) a Dinamarca fixou 15 anos como a idade mínima para o trabalho; d) o Quênia estabeleceu 16 anos como idade mínima para o trabalho; e e) o Egito estabeleceu como a idade mínima para o trabalho os 15 anos.

 

  • A fixação da idade mínima para o trabalho justifica-se em decorrência da condição de crianças e adolescente como pessoas em desenvolvimento, especialmente por razões de ordem fisiológica, moral, psíquica, social, econômica, cultural e jurídica, considerando que o trabalho infantil é uma violência que retira e prejudica as condições de desenvolvimento integral e agride sua dignidade;

 

  • O trabalho infantil tem repercussões e consequências negativas para a saúde e segurança de crianças e adolescentes, evidenciadas pelas 60.095 notificações relacionadas ao trabalho do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) no período de 2007 a 2022, das quais 34.805 relativas a acidentes de trabalho grave vitimando crianças e adolescentes em situação de trabalho;

 

  • Segundo estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o trabalho infantil está entre os principais motivos de adolescentes na faixa etária de 15 a 17 anos não frequentarem a escola. Outro dado trazido é relacionado com o número de crianças e adolescentes fora da escola. Em 2019, havia quase 1,1 milhão crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória fora da escola no Brasil. A maioria deles, crianças de 4 e 5 anos e adolescentes de 15 a 17 anos.

 

  • A idade mínima para o trabalho no Brasil foi estabelecida no art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição da República, a partir da Emenda Constitucional n. 20/1998 para adequar a previsão constitucional às normas jurídicas internacionais anteriormente citadas;

 

  • As normas jurídicas internacionais do arcabouço protetivo de crianças e adolescentes são incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio com status de normas constitucionais originárias e, assim, imunes a reformas restritivas por parte dos poderes constituintes derivados (art. 5º, § 3º, da Constituição da República);

 

  • Assim, no Brasil, está proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a pessoas com menos de 18 anos de idade e qualquer tipo de trabalho a pessoas com menos de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade;

 

  • A previsão constitucional da vedação ao trabalho na idade mínima consiste em um direito social e fundamental, indissociável da proteção integral com prioridade absoluta de crianças e adolescentes e do princípio fundamental da República Federativa do Brasil de garantia da dignidade da pessoa humana (art. 3º, III, da Constituição da República);

 

  • Como direito humano e fundamental, impera a cláusula de vedação ao retrocesso social, a ensejar a inadmissibilidade de propostas de alteração que pretendam reduzir a idade mínima para o trabalho, ainda que sob a forma de proposta de emenda à Constituição (PEC), pois oriundas do poder constituinte derivado;

 

  • Também em razão da caracterização como direito humano e fundamental, integrante de núcleo essencial e pilar básico da organização sociopolítica, a vedação ao trabalho infantil constitui cláusula pétrea inalterável e, por isso, está protegido de propostas reducionistas do poder constitucional reformador (art. 60, § 4º, da Constituição da República);

 

  • Para além da fixação da idade mínima, as normas internacionais, incorporadas pelo Brasil, determinam a elevação progressiva da idade para admissão ao trabalho, tratando-se de compromisso internacional, vinculada à idade do término da escolarização obrigatória;

 

  • No Brasil, a educação básica obrigatória estende-se até os 17 anos de idade (art. 208, I, da Constituição da República c/c art. 4º, I, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei n.9.394/1996);

 

  • A única exceção constitucionalmente admitida para o trabalho antes dos 16 anos de idade é por meio da aprendizagem profissional, a partir dos 14 anos, por tratar-se de medida de concretização do direito fundamental à profissionalização e apresentar o necessário caráter educacional e formativo;

 

  • A aprendizagem profissional constitui indispensável mecanismo de ingresso adequado e protegido no mercado de trabalho e de inclusão social, aliando geração de renda, profissionalização e educação, por assegurar a permanência na escola;

 

  • A aprendizagem profissional é uma política pública destinada à formação técnicoprofissional metódica de adolescentes e jovens, desenvolvida por meio de atividades teóricas e práticas e que são organizadas em tarefas de complexidade progressiva, com intuito educativo e formador;

 

  • O trabalho em regime de tempo parcial não se confunde com a aprendizagem profissional, uma vez que consiste em um contrato de trabalho comum a todo(a) e qualquer trabalhador(a) adulto(a), sem caráter de formação educacional;

 

  • A inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho não é a solução para as famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tratando-se, em realidade, de uma grave violação de direitos que mantém e incrementa a exclusão social e a pobreza;

 

  • Cabe à família, ao Estado e à sociedade – e não às crianças e aos(às) adolescentes – o dever de assegurar as condições materiais e sociais de subsistência e de garantia de direitos de crianças e adolescentes, mantendo-as a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sob pena de estar-se invertendo os papéis constitucionalmente atribuídos;

   

  • Por tais razões, conclui-se que a PEC Nº 18/2011 padece de inconstitucionalidade e inconvencionalidade e não pode ser admitida, de modo a resguardar direitos humanos e fundamentais de crianças e adolescentes.

 

Ante o exposto, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES E DAS PROCURADORAS DO TRABALHO opina pela integral REJEIÇÃO do texto.

 

Brasília, 19 de junho de 2024.

 

ADRIANA AUGUSTA DE MOURA SOUZA

Presidenta

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TIAGO RANIERI DE OLIVEIRA

Diretor de Assuntos Legislativos

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