“O Ministério Público brasileiro precisa ser reestruturado”

Luiz Moreira Junior, conselheiro do CNMP, aborda o momento vivido pelo MP do Brasil e sugere a criação do cargo de procurador-geral Nacional, a ser ocupado por membros do Ministério Público brasileiro. Confira
Qual sua avaliação em relação ao momento pelo qual o Ministério Público tem passado? É necessário, de fato, uma reinvenção do MP?
Não acho que seja necessária uma reinvenção. Acho que, decorridos mais de 20 anos da promulgação da Constituição, as exigências são outras. Espera-se das instituições outros papéis, condizentes com o momento histórico que vivemos. É que as instituições que fazem o sistema de justiça têm uma dívida muito grande com a sociedade brasileira. Se partirmos da perspectiva de que essas instituições colaboraram com as ditaduras brasileiras, então perceberemos que há muito por fazer. Entre nós há um certo fetiche rondando o direito. No Brasil, todas as ditaduras do século XX foram jurídicas. Quer dizer que, entre nós, Estado de Direito sempre existiu, o que poucas vezes ocorreu foi regime democrático. Nesse caso, precisamos de causas sociais para o Ministério Público. Não é possível que uma instituição tão dispendiosa converta-se numa instituição para poucos. Precisamos de um Ministério Público Social no Brasil, que dê ênfase à inclusão social, aos miseráveis, aos sem teto, aos sem trabalho. Desse modo, uma das causas mais relevantes é o combate ao trabalho escravo.

Há tratamento equânime entre os ramos do MPU? O que falta para um alinhamento adequado entre eles?
Não disponho de dados concretos. No entanto, durante as inspeções promovidas pela Corregedoria Nacional ficou muito evidente que há um fosso entre o número de servidores do MPF e os do MPT, bem como faltam instalações para o MPT. Evidentemente, isso decorre do desprestígio à questão social no Brasil. É injustificável que não haja uma simetria entre magistrados e membros do MP do Trabalho. Se houvesse, haveria a possibilidade de a questão social, o emprego, as relações de trabalho passarem a ocupar uma posição de destaque no sistema de justiça no Brasil. Nesse sentido, é auspiciosa a nomeação da ministra Rosa Weber para o STF.

Durante o 23º ENPT, no colóquio realizado pela ANPT com os conselheiros do CNMP, foi levantada a necessidade de criação do cargo de chefe do MP brasileiro. Como funcionaria?
O Ministério Público brasileiro precisa ser reestruturado. Veja as dificuldades que temos, por exemplo, na Justiça Eleitoral e no STJ. Se há um Ministério Público capilarizado é o dos Estados. Os promotores de Justiça são os promotores eleitorais, em decorrência de suas presenças nos municípios brasileiros. Qual é a razão para o MPF funcionar nos Tribunais Regionais Eleitorais quando essa é uma tarefa confiada ao sistema de justiça estadual? Enquanto os presidentes e os corregedores dos Tribunais Regionais Eleitorais são Desembargadores Estaduais, é injustificável que o procurador regional Eleitoral não seja um procurador de Justiça. Outro problema ocorre no STJ. O membro do Ministério Público dos Estados e do DF pode concorrer à vaga de ministro do STJ, mas não pode exercer seu mister naquele Tribunal. O legítimo é que, por ser um Tribunal Nacional, os membros do Ministério Público dos Estados e do DF pudessem ser ministros, mas que também pudessem oficiar no STJ.

Para isso, seria desejável que uma PEC modifica essa situação caótica que vivemos, criando o cargo de subprocurador Nacional, pelo qual quaisquer membros do Ministério Público brasileiro, exceto os do MPT e do MPM (ramos especializados que já atuam no TST e no STM, respectivamente), pudessem se habilitar. Criar-se-ia também o cargo de procurador-geral Nacional, ocupável por quaisquer dos membros do Ministério Público brasileiro, desde que maiores de 35 anos e com mais de 10 anos de atividade no Ministério Público.

Com esta PEC haveria uma reordenação do Ministério Público democratizando-se o acesso aos seus órgãos de cúpula, proporcional à realidade da instituição.Na era em que vivemos, em que a relação capital/trabalho parece não ser suficiente para definir nossa estrutura simbólica, seria muito interessante, sobretudo nesses momentos de crise econômica, que um egresso do Ministério Público do Trabalho, por exemplo, fosse o chefe do Ministério Público brasileiro.

Com essa nova composição no CNMP, quais as frentes de trabalho que devem ter prioridade?
Acho que a questão da Corregedoria deve ocupar as discussões. Se é certo que a Corregedoria Nacional deve ser fortalecida, é igualmente correto que as Corregedorias locais devem ser reestruturadas. A criação dos Conselhos Nacionais, tanto do Ministério Público quanto do Judiciário, também está atrelada a uma profunda inoperância das Corregedorias locais. Quer dizer: a burocracia e o corporativismo, como bem alertou Raymundo Faoro, se apropriaram dessas instituições. Agora, a questão precisa ser colocada em termos mais radicais: a existência do CNMP e do CNJ não desobriga as Corregedorias locais, nem soluciona os problemas existentes. As estruturas das Corregedorias Nacionais não têm o condão de modificar vícios. Muitas vezes o que ocorre, com as inspeções por elas promovida, é a convalidação de equívocos. A atuação do CNMP deve ter um papel preventivo, de estimular o desenvolvimento de mecanismos que coíbam vícios, mas também que seja capaz de ajudar a instituição frente aos desafios. A principal tarefa desses Conselhos Nacionais é o de coordenação, de orientação. Nesse sentido, creio que a Corregedoria Nacional do MP deveria coordenar um trabalho de reestruturação das Corregedorias locais, e é isso o que pretende o atual Corregedor Nacional, Jeferson Coelho.

Penso que cabe ao CNMP a tarefa de elaboração, de construção de paradigmas. Há questões que precisam ser enfrentadas com outro foco que não apenas o da punição. Chamo a atenção para questões que permanecem sem resposta e que o CNMP poderia ter um papel decisivo: (1) com a atual forma de atuação e as limitações próprias às designações, o problema da segurança institucional é intransponível; (2) as atuações, com competências definidas restritivamente, se circunscrevem à questões geográficas ou do ramo a que se pertence, tornado impotente e fechada sobre si mesma a instituição; e (3) a ideia de que somos todos corruptos fez com que a criminalização e a tutela da sociedade pelo Ministério Público se volte sobre a própria instituição.

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