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Terceirização é tema de audiência pública na Bahia

Uma plateia repleta de sindicalistas, advogados, procuradores do Trabalho, juízes e estudantes mostrou forte descontentamento em relação ao Projeto de Lei (PL) 4.330/2004 na tarde de ontem (4/06) durante audiência pública na sede no Ministério Público do Trabalho (MPT), em Salvador (BA). De autoria do Deputado Federal Sandro Mabel (PL-GO), a proposta tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e tem como relator o Deputado peemedebista baiano Arthur Maia. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Eduardo de Azevedo Lima, participou do evento e reforçou a necessidade de alterações em vários pontos do PL.


Azevedo Lima ressaltou, em sua manifestação, que, conquanto se mostre imprescindível uma normatização que freie a precarização das relações de trabalho, tal como se constata cotidianamente na realidade do trabalho terceirizado, não há como se dar tal normatização a despeito da garantia de condições dignas de trabalho, e, nesse sentido, solicitou para que o parlamentar leve em consideração as diversas questões abordadas na notas técnica apresentada pela ANPT, que destaca pontos a serem alterados no relatório. “Não há como serem olvidadas questões como a vedação da terceirização para atividade-fim e a responsabilização solidária de todos os integrantes da cadeia produtiva (prestadores e tomadores de serviços), especialmente no que tange ao meio ambiente do trabalho e às normas atinentes à saúde e à segurança do trabalho, além do respeito à isonomia entre terceirizados e trabalhadores efetivos, o correto enquadramento sindical (levando em conta a categoria profissional do trabalhador), dentre outras questões", destacou.

A nota técnica formulada pela entidade sugere alterações em diversos dispositivos do substitutivo ao PL 4.330/2004, que dispõe sobre o contrato de prestação de serviços e as relações de trabalho dele decorrentes. A nota elaborada pela ANPT obteve, à época, a adesão de diversas entidades, bem como de comissão instituída no âmbito do Ministério da Justiça, mais especificamente na Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ), com participação de advogados, ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do titular da SRJ, além de algumas outras entidades, tais como a própria ANPT.

O presidente da ANPT reforçou que se constata, em relação à terceirização, que o foco é muito intensificado na redução dos custos com a mão de obra e isso leva a uma redução de direitos, a jornada exaustiva, o descuido com o meio ambiente de trabalho e, enfim, à precarização das relações de trabalho. Disse, ainda, que os trabalhadores terceirizados, normalmente, recebem salários menores, têm maior jornada de trabalho, assim como estão mais suscetíveis a sofrer acidentes no local de trabalho. “De cada 10 acidentes de trabalho no Brasil, 8 são em empresas terceirizadas, o mesmo percentual se repetindo em relação aos acidentes fatais, já que, de cada 5 mortes, 4 são em empresas terceirizadas”, informou.

Outro ponto levantado pelo procurador foi a necessidade de vedação da terceirização da atividade-fim das empresas, visto que ela só deveria ocorrer com o intuito de tranferir apenas atividades acessórias. Disse, ainda, que o substitutivo, ao não impor qualquer limitação à terceirização das atividades nucleares da tomadora de serviços, desconhece a realidade da legislação trabalhista e viola dispositivos constitucionais. “Não pode haver escolas sem professores, hospitais sem profissionais de saúde, bancos sem bancários, vindo a ser todos trabalhadores vinculados formalmente ao tomador dos serviços”, completou ao lembrar que o empregador deve contratar diretamente, ao menos, os empregados que serão responsáveis imediatos pela consecução do empreendimento econômico, ou seja, aqueles alocados na atividade-fim da empresa.

Nesse sentido, Azevedo Lima falou, também, sobre a importância de se instituir a responsabilidade solidaria das empresas e a limitação das subcontratações, visto que estas últimas impedem o controle das relações de trabalho pelas tomadoras de serviços e subcontratantes. Segundo ele, como não é difícil de se ver e concluir, agora, na forma da nova regulamentação do Código Civil brasileiro, a responsabilidade por ato de terceiro é objetiva e solidária (não mais se podendo falar em culpa in eligendo e culpa in vigilando), porque o fato gerador da responsabilidade é inerente aos próprios riscos da atividade, que não podem, por óbvio, ser repassados a outrem, muito menos aos trabalhadores.

Por fim, Azevedo Lima ressaltou a importância de se inserir no substitutivo ao PL a adequação do enquadramento sindical, até para viabilizar a organização dos trabalhadores e a luta, por parte deles, por seus direitos e por suas garantias, "o que acaba não ocorrendo quando se reúnem numa mesma entidade trabalhadores que não têm nenhum senso de unidade por desempenharem funções as mais distintas, tal como se dá nos chamados 'sindicatos de trabalhadores de empresas prestadoras de serviços terceirizáveis', por exemplo", enfatizou.

Já o relator do projeto, Deputado Arthur Maia, disse acreditar "que esse projeto vai preencher um vácuo jurídico que hoje existe em nosso país. Não há como impedir a terceirização. O que precisamos fazer é regulamentá-la”, defendeu o parlamentar. A reação dos presentes foi de descrença na possibilidade de uma lei que permita a prática ser uma solução para os muitos problemas relatados durante o evento. Para a socióloga e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia Graça Druck, “todas as pesquisas mostram que a terceirização precariza as relações de trabalho. Portanto não há a boa e a má terceirização”.

“O projeto como está significa a desconstrução de tudo o que se acumulou até agora no mundo do direito do trabalho. É dever do Estado e de todos nós construir melhorias e não retrocessos”, defendeu o diretor legislativo da Anamatra, Germano Siqueira. “Esse projeto vai mesmo dignificar o trabalho?”, questionou a juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da Bahia, Ana Claudia Scavuzzi. Arthur Maia acha que sim. "Precisamos ouvir a sociedade, os sindicatos e é isso que estamos fazendo para aprimorar a proposta”, declarou o deputado.

Empresa sem empregado

O coordenador Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), o procurador José de Lima, fez uma previsão apocalíptica. “Se liberarmos a terceirização, em pouco tempo teremos empresas sem nenhum empregado, sem responsabilidade social”, especulou. Ele revelou dados que mostram que a ocorrência de acidentes de trabalho ocorre na proporção de oito vítimas terceirizadas em cada dez acidentes. “Além disso, os terceirizados estão ganhando às vezes metade do que outro trabalhador ganharia e trabalhando até três horas a mais”, denunciou.

A pesquisadora Graça Druck apresentou números que, segundo ela, comprovam a grave situação criada no mundo do trabalho pela crescente onda de terceirização no país. Ela revelou dados oficiais que mostram que cerca de 25% dos trabalhadores brasileiros hoje são terceirizados, mas alertou que esse número deve ser muito maior “porque o terceirizado é invisível perante o poder público.” Os números apresentados por ela são estarrecedores: a média de permanência de um terceirizado no emprego é de 2,6 anos contra 5,8 de um trabalhador direto.

Outra questão destacada é relativa à maior exposição dos terceirizados a riscos de acidentes. Entre 2000 e 2010, na categoria dos petroleiros, de 283 mortes por acidentes de trabalho, 228 (ou 81%) foram de terceirizados; no setor elétrico mineiro, foram 198 mortos terceirizados de um universo de 239 mortes. Os salários dos terceirizados são, em média, 27%% menores do que o dos trabalhadores diretos, sendo que pesquisa feita no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, revela que os vencimentos são entre 1,4 e cinco vezes menores do que os dos empregados das empresas contratantes. “A terceirização precariza, adoece, mata, divide, cria trabalhadores de primeira e segunda categoria”, declarou Graça Druck.

*Fonte e foto: Ascom/MPT-BA

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