Em uma audiência pública marcada por alertas contundentes sobre os perigos do trabalho infantil digital, o diretor legislativo da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho (ANPT), Tiago Ranieri de Oliveira, participou nesta terça-feira (7), dos debates promovidos pelo Grupo de Trabalho sobre Proteção de Crianças em Ambiente Digital (GTAMBDIG), da Câmara dos Deputados. O foco da discussão foi o crescente fenômeno dos "influenciadores mirins" e os riscos associados à exploração comercial da infância em plataformas digitais.
A audiência ocorreu um dia antes da votação do relatório parcial da coordenadora do grupo, deputada Rogéria Santos (Republicanos-BA), prevista para esta quarta-feira (8). O documento trará as primeiras recomendações legislativas sobre o tema, que tem ganhado visibilidade diante do aumento exponencial de crianças atuando como criadoras de conteúdo monetizado nas redes sociais.
O diretor legislativo destacou a urgência de se diferenciar, no plano jurídico, o trabalho infantil artístico, já regulamentado por exceção legal com exigência de alvará judicial, do trabalho infantil digital, que permanece em um perigoso vácuo normativo. “O Brasil precisa reconhecer que há uma nova forma de trabalho infantil, massiva e invisível, que escapa completamente do controle estatal: o trabalho infantil digital. A participação habitual de crianças em conteúdos monetizados não é lazer, é trabalho, e como tal, precisa ser regulado e proibido”, afirmou.
“Não é brincadeira. É trabalho.”
Durante sua manifestação, a ANPT foi enfática ao classificar como ilícita a atuação habitual de crianças em canais monetizados, mesmo quando administrados por pais ou responsáveis. A entidade defendeu que a exposição sistemática de menores de 16 anos em conteúdo com fins lucrativos infringe diretamente a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), convenções internacionais da OIT, além da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Tiago Ranieri citou uma série de dispositivos legais que amparam essa posição, como o artigo 7º da Constituição, que proíbe qualquer forma de trabalho antes dos 16 anos (exceto na condição de aprendiz a partir dos 14), e os artigos 60 e 17 do ECA, que vedam o trabalho infantil e garantem a inviolabilidade da dignidade, imagem e identidade da criança.
Infância, lucro e algoritmos
O diretor chamou atenção para os riscos específicos do chamado “trabalho infantil digital”, frequentemente mascarado como expressão espontânea ou atividade recreativa. Entre os principais problemas apontados estão:
- Exploração econômica precoce e naturalização da criança como “marca”;
- Jornadas de gravação exaustivas, metas de engajamento e pressão por performance;
- Adultificação e sexualização de meninas, em busca de visibilidade;
- Exposição massiva de dados pessoais, contrariando a LGPD;
- Assédio, cyberbullying e grooming, sem mecanismos eficazes de proteção;
- Conflitos familiares por receitas geradas, sem governança financeira clara.
“Não se trata de censura nem de criminalização de famílias. Mas sim de reconhecer que a lógica das plataformas digitais, centrada no engajamento e lucro, não pode ditar as regras sobre a infância”, pontuou o procurador.
Propostas concretas ao Congresso
Ao final da audiência, o diretor da ANPT apresentou propostas legislativas objetivas para enfrentar o problema de forma estruturada. Entre as medidas sugeridas estão:
- Inclusão de dispositivo legal expresso proibindo qualquer forma de monetização da imagem, voz ou atividade de crianças e adolescentes menores de 16 anos em plataformas digitais;
- Sanções administrativas e civis a pais, responsáveis, empresas e plataformas que se beneficiem dessa monetização;
- Obrigação das plataformas de bloquearem a monetização em contas com participação de menores de idade;
- Criação de mecanismos de fiscalização e responsabilização do conteúdo produzido com envolvimento infantil.
O marco regulatório que falta
A entidade frisou que, assim como o trabalho infantil artístico só é permitido mediante autorização judicial, o Brasil precisa urgentemente estabelecer um marco regulatório para o ambiente digital, a fim de garantir que a infância seja tratada com a prioridade absoluta que a Constituição assegura. “A criança pode estar na internet, mas não pode ser transformada em produto. Se a monetização entra, deixa de ser lazer e passa a ser trabalho e, portanto, é proibido até os 16 anos”, concluiu o procurador.
Próximos passos
Com a votação do relatório parcial nesta quarta-feira (8), o GTAMBDIG inicia a consolidação de propostas que poderão embasar projetos de lei e mudanças no ECA. A expectativa é que o documento da deputada Rogéria Santos incorpore parte das recomendações feitas por instituições como a ANPT, o Ministério Público do Trabalho e organizações da sociedade civil.
Janine Rego de Miranda, Secretária de Assuntos Legislativos do MPT, deputada Rogéria Santos e Tiago Ranieri