A Câmara dos Deputados aprovou, em sessão plenária, o Projeto de Lei nº 3444/2023, de autoria da deputada Lídice da Mata (PSB/BA), que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para criar mecanismos de proteção a crianças e adolescentes em ambientes digitais. A proposta visa a coibir a exploração do trabalho infantil digital, especialmente no contexto da atuação de crianças como “influenciadores mirins” em plataformas online.
A aprovação contou com expressiva contribuição da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), por meio de sua Diretoria Legislativa, conduzida pelo procurador do Trabalho Tiago Ranieri de Oliveira, cuja atuação técnica e estratégica foi decisiva para o avanço da matéria no Congresso.
Subsídios ao debate legislativo
A ANPT elaborou e entregou aos parlamentares uma manifestação técnica direcionada ao Grupo de Trabalho sobre a Proteção de Crianças em Ambiente Digital (GTAMBDIG) da Câmara dos Deputados. O documento esclareceu pontos essenciais para o entendimento da matéria, especialmente a distinção jurídica e prática entre o trabalho infantil artístico, regulamentado por exceção legal, e o trabalho infantil digital, ainda sem regramento específico no ordenamento jurídico brasileiro.
O diretor legislativo da ANPT, Tiago Ranieri, destacou que a manifestação da entidade teve como objetivo subsidiar o Parlamento com fundamentos jurídicos e dados concretos sobre os riscos associados à monetização da infância nas redes sociais. A atuação foi pautada pela defesa do princípio da proteção integral da criança, consagrado na Constituição Federal e no ECA.
“A proposta não pretende censurar a presença infantil na internet, mas garantir salvaguardas mínimas contra a exploração econômica precoce, a exposição massiva e a violação de direitos fundamentais. Crianças não são influenciadores profissionais, são sujeitos de direitos e merecem proteção prioritária”, afirmou Ranieri.
Reconhecimento do trabalho infantil digital
A manifestação da ANPT ressaltou que a atuação habitual e monetizada de crianças em redes sociais configura trabalho infantil ilícito, por violar a regra constitucional que proíbe qualquer forma de trabalho antes dos 16 anos, salvo na condição de aprendiz, essa incompatível com a lógica das plataformas digitais.
O documento também apontou que a ausência de regulamentação favorece a informalidade jurídica e naturaliza a transformação da infância em produto digital, muitas vezes sob o argumento de “brincadeira” ou “expressão espontânea”. A associação defende a proibição total da monetização da imagem, voz ou atividade de crianças menores de 16 anos, ainda que mediada por familiares ou terceiros.
Base legal robusta e alinhamento internacional
A manifestação da ANPT foi construída com base em diversos marcos normativos, nacionais e internacionais, entre eles:
• Constituição Federal (arts. 7º, XXXIII, e 227);
• Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 5º, 17, 60, 74 e 149);
• Convenções 138 e 182 da OIT;
• Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Art. 14;
• Código de Defesa do Consumidor e resoluções do CONANDA (nº 163/2014 e nº 245/2024);
• Lei nº 15.211/2025, que atualiza o ECA com foco na proteção digital.
A ANPT propôs ainda a inclusão de dispositivo legal que proíba expressamente a monetização digital infantil, além da criação de sanções para anunciantes, responsáveis legais e plataformas que promovam ou se beneficiem dessa prática.
Compromisso institucional
Segundo o procurador, a aprovação do PL nº 3444/2023 representa um importante passo na construção de um marco legal que reconhece e enfrenta uma nova forma de trabalho infantil: digital, massivo, não regulamentado e invisibilizado. “A infância é um bem jurídico indisponível e a atuação de crianças nas redes sociais não pode ser regida pela lógica do engajamento mercadológico”, disse.