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Autoridades debatem os poderes da República, os limites e a questão da regulação da terceirização

Autoridades debatem os poderes da República, os limites e a questão da regulação da terceirização
“Poderes da República e terceirização. Limites e regulação. A repercussão geral e seus significados”. Este foi o tema do último painel do primeiro dia do seminário "A Terceirização no Brasil: Impactos, resistências e lutas”. Coordenado pelo presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Eduardo de Azevedo Lima, o painel teve como palestrantes o deputado Federal Francisco Chagas e os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maurício Goldinho Delgado, Kátia Magalhães Arruda e Lélio Bentes Corrêa.
O primeiro a se pronunciar no painel foi o deputado Federal, que, logo de início, disse que o modelo de desenvolvimento que o Brasil deve adotar deve levar em consideração a distribuição de renda. De acordo com ele, o Projeto de Lei (PL) 4330/2004 surge com o objetivo de fortalecer o processo de concentração de renda e o capital monetário. “Ele, de fato, é uma maneira de desorganizar o trabalho e, assim, desestruturar a possibilidade de aquisição de renda dos trabalhadores, de dar melhores condições de vida a eles”, disse, para logo em seguida afirmar que não se pode apostar no caminho de desvalorização do trabalho humano.

Ele ressaltou que é necessário ficar atento ao Congresso Nacional, visto que o movimento para a aprovação do projeto “acelera e desacelera todo o tempo”. “Nós sabemos que o procedimento de praxe é concentrar a demanda reprimida de projetos do Congresso antes do fim desta legislatura. É necessário ficar de olhos abertos, pois este problema nós vamos enfrentar ainda este ano ou no início do próximo”, alertou.

O alerta é propicio, lembrou o presidente da ANPT ao cumprimentar o deputado por sua manifestação. Azevedo Lima disse que o tema precisa de muita atenção, principalmente neste momento, já que as eleições estão próximas. “A ANPT, juntamente com diversas outras entidades, acompanha a tramitação da matéria desde o seu início, seja na Comissão Especial, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou no Plenário da Câmara, durante a Comissão Geral realizada para tratar da matéria, além de contatos permanentes com diversos parlamenteares, dos mais variados partidos” lembrou, para logo em seguida ressaltar que, inclusive, na época das discussões na CCJ, dezenas de trabalhadores tiveram sua entrada barrada na Câmara, sofrendo agressões, o que, segundo Azevedo Lima, “representa uma contradição absurda em se tratando da casa do povo, que é o parlamento brasileiro”, enfatizou.

O ministro do TST Maurício Delgado, por sua vez, fez uma avaliação das Constituições brasileiras, desde a sua primeira, no que diz respeito aos aspectos trabalhistas. Segundo ele, se examinarmos o percurso constitucional brasileiro que se iniciou em 1824, será possível identificar que “é possível perceber que a ideia de Estado irresponsável só está presente em duas constituições e, ao mesmo tempo, a ideia de iniciativa privada sem controles só esta presente nas mesmas duas constituições, que são as de 1824 e a de 1891. Portanto, nós estamos a 190 anos da primeira Constituição que admitiu a ideia da iniciativa privada sem controle, não sendo razoável uma mudança de rumo tão gritante na vigência da chamada Constituição cidadã, que é a Carta Magna de 1988”, disse.

Sobre o assunto, Azevedo Lima ressaltou que a valorização extrema da propriedade privada em detrimento da dignidade humana e de outros valores talvez fosse possível num outro ordenamento jurídico constitucional, mas se mostra no mínimo contraditório no contexto da chamada ´Constituição Cidadã´. Nesse sentido, o procurador citou o ex-ministro do STF Eros Grau, que, ao se reportar à ordem econômica na Constituição de 1988, ressaltava que “conquanto não seja raro que, por interesses diversos, tente-se dissociar do valor social da livre iniciativa o adjetivo ‘valor social’, a apreciação da livre iniciativa, como fundamento da República Federativa do Brasil, não pode ser tomada no aspecto individualista, mas sim considerando o que tem de socialmente valioso”, lembrou o presidente da ANPT.

A ministra Kátia Arruda, por sua vez, analisou algumas visões que são apresentadas sobre terceirização em todo o Brasil. Para ela, “estamos falando aqui do maior golpe que o direito do trabalho poderá ter recebido ao longo de sua história, que seria a terceirização sem limites”, destacou.

“Toda a construção jurisprudencial do TST, aquilo que tem de mais avançado, está sendo questionado, pois está em discussão atualmente, a partir de provocação de entidades patronais, o cancelamento de mais de 20 verbetes jurisprudenciais do TST. É preciso saber que a coisa não para por aí”, alertou a ministra. Ela lembrou, ainda, que a liberdade de terceirizar, ao final, deveria ser chamada pelo nome correto, que seria liberdade de precarizar. “Precisamos dizer as coisas certas, pois quanto mais frágeis forem as organizações sociais e mais se agridam o judiciário trabalhista, mais fácil será a terceirização sem freio, sem limites, em nosso país”, afirmou.

Por fim, a ministra disse que está na hora de começar a mudar as perspectivas e começar a pensar no que se pode evoluir. “Nós somos, sim, herdeiros da escravidão, mas nós também somos herdeiros da esperança. Nós somos herdeiros das mudanças e normalmente elas vem nos momentos mais difíceis. Nós somos a favor do desenvolvimento. Agora entendemos que para isso há de se garantir aos trabalhadores vida digna. Temos que aprender a fazer do momento de crise um momento de superação”, ponderou.

Nessa mesma linha, o presidente da ANPT, ao saudar a ministra e parabeniza-la por seu pronunciamento, destacou a relevância de se buscar avançar, indo além das tentativas de barrar o retrocesso, em questões como a responsabilização solidária entre os empregadores diretos e toda a cadeia de tomadores de serviços, na busca de assegurar uma efetiva representação coletiva dos trabalhadores, terceirizados ou não, e, acima de tudo, na garantia de tratamento isonômico entre os trabalhadores contratados de forma direta e aqueles admitidos mediante contratos de terceirização. Segundo ele, e concordando com a ministra Kátia Arruda, que ressaltou a força das palavras, situações como a verificada hodiernamente, em que se tenta relacionar a terceirização como solução para a empregabilidade e para a produtividade, com tentativas de viabilizar a terceirização sem limites, na prática, leva a uma situação verdadeiramente surreal e que, assim, busca deliberadamente ignorar a realidade.

Encerrando o painel, o ministro Lélio Bentes reforçou, por diversas vezes, a necessidade de se observar que o “trabalho não é mercadoria e que o ser humano não é um objeto”. Segundo ele, isso basta para se observar o “absurdo que é a proposta de terceirização desenfreada aviltante das condições mínimas de dignidade devida aos trabalhadores”.

O ministro explicou que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) editou, em 1997, a convenção 181, onde trata das agências privadas de emprego e inseriu as empresas que alocam mão de obra para terceirizados. De acordo com ele, essa convenção de inspiração liberal tem o cuidado, já no preâmbulo, de estabelecer que “conquanto reconhecendo a importância da flexibilidade do mercado de trabalho, reconhecer também a necessidade de salvaguardar os direitos mínimos a qualquer trabalhador”.

Lélio Bentes falou sobre a necessidade de assegurar a liberdade sindical dos trabalhadores e reforçou, ainda, que “o cidadão não pode sair de casa de manhã sem ter a certeza que voltará em segurança para o convívio familiar”. Nessa linha, ele lembrou também a situação de trabalhadores migrantes e a necessidade de proteção contra fraudes e abusos. O ministro chamou atenção para dados sobre os resgates de trabalhadores em situação análoga à de escravo, destacando que a maior parte deles é formada por trabalhadores terceirizados, enfatizando também os altos índices de acidentes de trabalho constatados nas hipóteses de terceirização.

O presidente da ANPT, ao cumprimentar o ministro Lélio Bentes por sua exposição, ressaltou a relevância de se atentar para o fato de que o trabalho, assim como trabalhador, não pode ser tido como uma mercadoria, o que, segundo ele, “na prática está longe do que ocorre no caso da terceirização de serviços, levando a uma situação que, em alguns aspectos, mostra-se ainda mais grave que aquela constatada no período pré-Lei Áurea, até porque, na situação atualmente verificada, o trabalhador é tratado também como ´coisa´, mas, tornando tudo ainda mais grave, é tido como absolutamente descartável”, enfatizou.

Ao longo do dia, ainda foram realizados mais dois painéis. O primeiro deles discutiu “A terceirização, limites jurídicos e normas internacionais de proteção ao trabalho”. Entre os palestrantes estava o procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, e o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Roberto Caldas, além do ministro José Roberto Freire Pimenta, do TST.

A segunda conferência do dia debateu “O capitalismo contemporâneo e seus impactos na regulação social do trabalho e a terceirização”. A coordenação ficou a cargo da pesquisadora Magda Barros Biavaschi, integrante do Fórum Nacional em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela terceirização, tendo como palestrantes o representante do Movimento Humanos Direitos Ricardo Paiva e o professor titular aposentado do IE/Unicamp Luiz Gonzaga Belluzo.

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