Confira abaixo a nota:
NOTA PÚBLICA
As entidades signatárias desta Nota receberam com preocupação a proposta enviada pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados, autuado como Projeto de Lei nº 791, de 2020.
Do ponto de vista do controle externo da Administração Pública, referido Projeto estabelece um procedimento prévio de controle, por meio do qual, uma vez finalizado o processo de contratação relacionado ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), poderá ser o mesmo remetido ao Tribunal de Contas da União (TCU) para sua “chancela”. Grave, todavia, é que tal ato deverá ser praticado monocraticamente por Ministro do TCU, designado pelo seu Presidente, sem expressa previsão da necessidade da análise técnica, pelo Órgão de Instrução tal como previsto na Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8.443, de 1992), omitindo-se, ainda, a necessária participação do Ministério Público de Contas que atua junto àquela Corte. Nessas bases, a proposta exclui a parcela técnica e de fiscalização da ordem jurídica do TCU, que tantas contribuições podem dar, de forma ágil e responsável, neste momento à sociedade brasileira. Trata-se, também, de sério e perigoso precedente, uma vez que o Poder Executivo acabará, por iniciativa própria, por interferir no funcionamento do TCU, em flagrante afronta ao art. 73 da Constituição da República e à jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (STF).
Não bastasse, o processo de contratação “chancelado” na esfera de controle externo será submetido, sem sorteio de relator, a homologação monocrática pelo Presidente do STF, ouvido previamente o Procurador-Geral da República. O rito processual, de colorido heterodoxo, inaugura uma fusão inconcebível - sob a ótica constitucional - de instâncias independentes, o que subverte a lógica, a doutrina e a própria jurisprudência do STF.
Nessa sequência de evidentes inconstitucionalidades, são suprimidas, a um só tempo, todas as demais instâncias do Poder Judiciário abaixo do STF. Da mesma forma, suprime-se a atuação descentralizada do Ministério Público, com a concentração de funções na figura do Procurador-Geral da República, burocratizando o processo e tornando-o mais lento, na medida em que impede a ágil adoção de medidas urgentes pelos representantes do Ministério Público da União, em todos os seus ramos, bem assim o dos Estados, através de seus representantes que atuam em todo o país, próximos e conhecedores das realidades locais.
Trata-se, como se vê, de violação aos princípios do promotor natural e do juiz natural, o que pode comprometer o devido acompanhamento das ações governamentais pelos órgãos competentes e, por consequência, a otimização dos escassos recursos públicos destinados ao combate à pandemia.
Além de confundir e misturar as funções nas esferas judicial e de controle externo, o que por si só já destoa da lógica impregnada no texto constitucional, a proposta não observa a necessária separação entre controle externo e gestão de contratos a cargo do Poder Executivo, em flagrante violação ao princípio da segregação de funções.
O texto apresentado ao Congresso Nacional também desconsidera que a Constituição de 1988 inaugurou um sistema jurídico nacional e que os órgãos dos sistemas de Justiça e de controle externo já dispõem de suficientes instrumentos técnicos e parâmetros legais adequados e em pleno vigor, além de senso de responsabilidade, para adotar as melhores práticas e soluções necessárias ao imenso esforço coletivo que o momento exige, em prol da sociedade brasileira, de suas instituições e de sua sobrevivência, não sendo necessária a aprovação de nenhum outro normativo para tanto, especialmente se eivado de inconstitucionalidade.
Espera-se que o Congresso Nacional dedique atenção especial à proposta, a qual, em seu texto original, acaba por investir contra a harmonia e a independência dos Poderes da República e do Ministério Público da União e dos Estados, na medida em que a previsão da aprovação de diretrizes vinculantes, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público, a serem aplicadas a todos os integrantes da Magistratura e do Ministério Público, viola o livre exercício das funções judiciais e ministeriais, dificultando sobremaneira a tutela de direitos fundamentais em situação de risco.
A hora não é de exclusão, mas sim de reunião de esforços de todos, ou seja, do Órgão de Instrução do TCU, do Ministério Público de Contas, da Magistratura e do Ministério Público da União e dos Estados, que tanto têm contribuído para o aperfeiçoamento da Administração Pública, a fim de que as dificuldades decorrentes do novo coronavírus (COVID-19) sejam superadas da maneira mais eficiente possível para todos os cidadãos, consideradas as atuais circunstâncias.
Os agentes públicos de referidas instituições estão preparados para servirem à Nação no enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia, e manifestam apoio a medidas voltadas a conferir maior celeridade aos processos, o que deve ser definido em consonância com o ordenamento jurídico pátrio. Mas não compactuam com propostas que possam vir a suprimir instâncias de constitucional atuação a cargo de órgãos independentes, pilar de sustentação do sistema de freios e contrapesos.
Diante de todo exposto, as entidades signatárias desta Nota pedem que o PL nº 791/2020 seja amplamente revisto, e pugnam pela abertura do diálogo para que possam construir, com o Parlamento Brasileiro e com as instituições envolvidas, com a urgência que o momento requer e no menor tempo possível, medidas alternativas em conformidade com a Constituição da República e com as leis orgânicas vigentes.
Brasil, 23 de março de 2020.
Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União |AUD-TCU
Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil | ANTC
Associação Nacional do Ministério Público de Contas | AMPCON
Associação Nacional dos Procuradores da República | ANPR
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho | ANPT
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público | CONAMP