A Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho participou, na última sexta-feira (12), em São Paulo, do congresso promovido pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra). Com o tema “O Trabalho no Mundo Plataformizado: Contributos do Ipeatra”, o evento reuniu representantes de entidades do sistema de Justiça, pesquisadores e autoridades para discutir os impactos das transformações tecnológicas e econômicas nas relações de trabalho.
A presidenta da ANPT, Adriana Augusta de Moura Souza, integrou o painel “Análise de Conjuntura: Trabalho no Mundo Plataformizado”, mediado pela procuradora regional do Trabalho Adriane Reis de Araújo. Também participaram do debate Marcus Menezes Barberino Mendes, diretor da Anamatra, Hugo Cavalcanti de Melo Filho, vice-presidente do Ipeatra, Luiz Carlos Moro, representante da AAJ, ABJD, Prerrô e Jutra, e Márcio Pochmann, presidente do IBGE.
Em sua exposição, Adriana Augusta destacou a atuação institucional da associação no debate jurídico sobre a plataformização e a pejotização do trabalho, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ela, a entidade tem participado ativamente como amicus curiae em ações de grande repercussão que tratam desses temas. “A ANPT vem travando importantes batalhas jurídicas no STF e em outros fóruns, especialmente nas ações que discutem a plataformização e a pejotização, temas centrais para o futuro do Direito do Trabalho no país”, afirmou.
A presidenta relatou sua participação em audiência pública convocada pelo ministro Gilmar Mendes para discutir essas transformações e ressaltou a importância de compreender os sinais emitidos pela Suprema Corte. “É fundamental ler nas entrelinhas tudo aquilo que é dito no Supremo, porque ali se desenha o porvir jurídico das relações de trabalho”, pontuou. Ela também chamou atenção para a concepção da Constituição como uma obra aberta, em permanente diálogo com a realidade social, ideia mencionada pelo ministro durante a audiência.
Ao abordar o cenário atual do mercado de trabalho, a presidenta da ANPT destacou dados oficiais que revelam o avanço do trabalho por conta própria e intermediado por plataformas digitais. Ela mencionou o crescimento expressivo do número de microempreendedores individuais e de trabalhadores vinculados a aplicativos, o que, segundo ressaltou, impõe desafios significativos à proteção social e à efetividade dos direitos trabalhistas previstos na Constituição. “Vivemos um período de intensas transformações que reconfiguram profundamente as relações de trabalho, exigindo reflexão jurídica e institucional sobre como assegurar direitos em um contexto cada vez mais fragmentado”, observou.
Adriana Augusta também problematizou o impacto dessas mudanças sobre os direitos constitucionais dos trabalhadores, em especial os previstos no artigo 7º da Constituição Federal. Para ela, o debate sobre novos modelos de contratação não pode ignorar o núcleo de proteção social consagrado no texto constitucional. Segundo a procuradora, a grande questão que se coloca é onde posicionar os direitos fundamentais dos trabalhadores diante desse novo cenário, pois não se trata apenas de uma escolha política, mas de uma resposta jurídica necessária, porque esses direitos estariam expressamente previstos na Constituição.
Outro ponto enfatizado pela presidenta foi a crise de identidade vivida pelos trabalhadores brasileiros, marcada pelo crescimento do trabalho informal, pela precarização e pela percepção distorcida sobre o papel do Estado. Ela citou pesquisas recentes que indicam o aumento do número de trabalhadores que, embora em situação de vulnerabilidade, se identificam como empreendedores e rejeitam o vínculo formal de emprego. “Estamos diante de um debate complexo e, muitas vezes, contraditório, em que o trabalhador rejeita o modelo celetista, mas enfrenta jornadas exaustivas e rendimentos insuficientes”, afirmou.
Ao final de sua fala, a procuradora alertou para os possíveis efeitos das decisões pendentes no Supremo Tribunal Federal sobre o futuro da Consolidação das Leis do Trabalho e da organização sindical. Para ela, a ampliação irrestrita de formas alternativas de contratação pode esvaziar a centralidade do Direito do Trabalho como instrumento de desenvolvimento social. “O debate que se impõe é sobre a imprescindibilidade do Direito do Trabalho como âncora do desenvolvimento do país. Dependendo dos rumos que forem adotados, corremos o risco de transformar a CLT apenas em um registro histórico”, concluiu.