Mudar o conceito de trabalho escravo é a cereja do bolo dessa pauta precarizante
A afirmação acima é do presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Eduardo de Azevedo Lima, e foi feita nessa terça-feira, 15/12, durante audiência pública sobre O mundo do trabalho: desemprego, aposentadoria e discriminação, com foco no trabalho escravo, promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal. A discussão se deu em razão da inclusão na pauta do Plenário do Senado do PLS 432/2013, que regulamenta a Emenda Constitucional 81, que determina a expropriação de terras onde se verifique trabalho escravo. "Logo no início de sua manifestação, Azevedo Lima ressaltou que têm sido cada vez mais frequentes as tentativas de se precarizar as relações de trabalho e que isso fere, de maneira frontal, a dignidade dos trabalhadores. Em relação ao projeto em si, o procurador ressaltou que mudar o conceito de trabalho escravo é a cereja do bolo dessa pauta precarizante.
O Brasil tem uma posição de vanguarda e é assim reconhecido em todo o mundo no que diz respeito ao combate à escravidão contemporânea. Em 2014, na Conferência Internacional da Organização Internacional do Trabalho (OIT), inclusive, ficou muito clara essa destacada atuação dos órgãos e instituições brasileiras no combate ao trabalho em condições análogas às de escravo, que foi tida como paradigma para os demais países que participavam da Conferência, em cujas discussões se avançou na aprovação de um protocolo e uma recomendação sobre a temática, inclusive permitindo a responsabilização dos integrantes da cadeia produtiva em que essa nefasta prática tiver sido verificada, medida que já se adota no Brasil há algum tempo. Não se concebe, pois, que agora se venha com essa proposição legislativa que representa um enorme e inadmissível retrocesso social, disse Azevedo Lima.
O presidente da ANPT destacou, enfaticamente, o quão nefasta é a retirada do trabalho em condições degradantes e, também, da jornada exaustiva da conceituação do trabalho escravo para os fins da regulamentação da Emenda Constitucional n. 81/2014, que prevê a expropriação das propriedades urbanas e rurais em que se constatar a exploração de trabalho em condições análogas às de escravo. Independentemente de qualquer regulamentação da emenda constitucional, o fato é que a prática do trabalho escravo constitui crime e assim está devida e detalhadamente definido no art. 149 do Código Penal brasileiro, não se havendo que inovar, ainda mais sob um viés de retrocesso como se pretende com esse projeto, ressaltou. Segundo ele, têm sido constatadas ao longo dos últimos anos a busca de implementação de uma série de medidas voltadas para a intensificação do desestímulo à prática do trabalho escravo, como ocorre com a própria Emenda 81, mas esse projeto de lei caminha na direção diametralmente oposta, servindo como uma espécie de reforçador da prática, ao esvaziar o conceito de trabalho escravo, ressaltou.
Ainda durante sua manifestação, o procurador enfatizou que, em tempos de realização da COP-21 e que tanto se fala, e com propriedade, sobre sustentatibilidade, não podemos ignorar que não há como se refletir sobre tal conceito sem levar em consideração o imprescindível respeito à dignidade nas relações de trabalho, disse, destacando que, além do posicionamento contrário dos membros do MPT sobre o mérito projeto, defendem, também, a retirada da urgência, a fim de que se viabilize o aprofundamento do debate com os mais variados segmentos sobre tão importante matéria.
Após a audiência pública na CDH, o grupo que se manifestou durante o evento foi, juntamente com o senador Paulo Paim, para o gabinete da presidência do Senado, onde manteve contato com o presidente Renan Calheiros e com o relator da proposta, senador Romero Jucá (PMDB-RR), além de diversos outros senadores, a exemplo dos senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Lindberg Farias (PT-RJ). O relator concordou ampliar os debates sobre o tema, retomando-os apenas a partir do início dos trabalhos do próximo ano, e, antes de levar a matéria a plenário, como estava previsto até ontem, viabilizar que tais discussões se deem, antes, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, inclusive com realização de audiência pública naquela Comissão.
Além do presidente, do vice-presidente e da diretora financeira da ANPT, participaram das discussões, também, diversos outros membros do MPT, como o coordenador da Coordenadoria Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Rafael Garcia, e o procurador Regional do Trabalho Cristiano Paixão, entre vários outros, além de representantes do Ministério do Trabalho e Previdência Social, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de entidades sindicais, representantes da classe empresarial, de organizações não governamentais (ONG) como a Repórter Brasil, artistas como o ator Wagner Moura, representantes da sociedade civil em geral, entre outros.
(IMG> ../aux1/2015/350/escravo02__anpt23064.jpg