A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES E DAS PROCURADORAS DO TRABALHO – ANPT, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA – ANPR e a ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – AMPDFT vêm manifestar-se CONTRARIAMENTE à alteração que o Projeto de Lei de Conversão (PLV) à Medida Provisória nº 1045/2021 pretende implementar no art. 626 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A Medida Provisória (MP) nº 1045/2021 foi editada para estabelecer “o Novo Programa Emergencial do Emprego e da Renda” e “dispor sobre medidas complementares para o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) no âmbito das relações de trabalho”.
Como não se pode ignorar, o rito sumário de aprovação das medidas provisórias não permite a reflexão e o debate imprescindíveis à disciplina de determinadas matérias.
A ausência de espaço para prévia discussão assume especial gravidade quando se cogita de modificação do arcabouço normativo trabalhista, que, por força de compromisso expressamente assumido pelo Brasil perante a comunidade internacional, pressupõe, segundo o modelo tripartite, interlocução entre o governo e os(as) destinatários(as) da normatização, empregadores(as) e trabalhadores(as), estes(as) devidamente representados(as) pelas entidades sindicais que os(as) congregam.
O E. Supremo Tribunal Federal, guardião e intérprete definitivo da Constituição da República, já se pronunciou, nos autos da ADI nº 5.127, no sentido de que, para a validade das medidas provisórias, faz-se necessária a presença, a um só tempo, de urgência e relevância, circunstância que impede a posterior inserção de dispositivos estranhos ao alcance e aos propósitos originários da edição.
O PLV recém-aprovado pela Câmara dos Deputados, ora sob o crivo do Senado Federal, destoa, muito claramente, do entendimento da Corte Constitucional, pois traz diversas alterações legislativas sem qualquer relação direta ou indireta com as medidas emergenciais de enfrentamento dos impactos da pandemia, voltadas à manutenção do emprego e da renda dos(as) trabalhadores(as).
Por meio de um dos denominados “enxertos”, o caput e o parágrafo único do art. 626 da Consolidação das Leis do Trabalho receberiam a seguinte redação:
“Art. 626. Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho e Previdência a fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho no âmbito das relações laborais.
Parágrafo único. O planejamento e a execução da inspeção do trabalho para verificação do cumprimento das normas de proteção ao trabalho, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde do trabalho, e a emissão de autos de infração, decorrentes do poder de polícia do Estado, são de competência exclusiva da Auditoria-Fiscal do Trabalho, na forma estabelecida nos instrumentos normativos editados pelo Ministério do Trabalho e Previdência.” (elementos de realce acrescidos)
As entidades signatárias apoiam o fortalecimento da auditoria fiscal do trabalho, assim como a eliminação do histórico e notório déficit estrutural a que está submetida.
Ocorre que a novel disposição, além de ser, pelos motivos anteriormente expostos, formalmente inconstitucional, poderia, por sua generalidade, ser interpretada como um óbice a que outros órgãos e instituições com atribuições fiscalizatórias atuem para coibir irregularidades trabalhistas, que, como se sabe, comumente repercutem criminal, tributária e civilmente.
A título de ilustração, autos lavrados pela Receita Federal, nos casos de fraude na constituição de pessoas jurídicas, conhecida por “pejotização”, em virtude da estreita relação com as normas de proteção do trabalho, ficariam juridicamente vulneráveis à desconstituição pela origem, ou seja, simplesmente porque não se encontram subscritos por auditores(as) fiscais do trabalho.
A igual sorte sujeitar-se-iam a atuação dos órgãos vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, o que é infinitamente mais grave, a do Ministério Público da União, nada obstante a Instituição esteja, pelo inciso V do art. 8º da Lei Complementar nº 75/93, expressamente autorizada a “realizar inspeções e diligências investigatórias”, “nos procedimentos de sua competência”, como os que visam à erradicação do trabalho infantil e da escravidão.
Ressalte-se que, aprovada a alteração legislativa, as operações dos grupos móveis de combate ao trabalho escravo, por exemplo, somente ocorrerão a partir de planejamento e organização do Ministério do Trabalho e Previdência, excluindo-se a atual possibilidade de realização por iniciativa de outros órgãos ou instituições legitimados, como os Ministérios Públicos Federal e do Trabalho.
A atribuição exclusiva comprometeria sobremaneira a capacidade estatal de garantir o pleno cumprimento da legislação trabalhista, medida fundamental à eficácia do sistema de proteção dos direitos sociais, e, assim, contrariaria o interesse público, para cuja defesa a atribuição ou competência, em regra e por princípio, deve ser “concorrente”.
PELO EXPOSTO, a ANPT, a ANPR e a AMPDFT, convictas de que o Projeto de Lei de Conversão à Medida Provisória nº 1045, aprovado pela Câmara dos Deputados, não observa os limites constitucionalmente impostos à edição de medidas provisórias, bem como de que, à míngua de concomitantes urgência e relevância, excede os propósitos originários do ato normativo de natureza excepcional, inclusive violando o modelo de diálogo tripartite exigível na alteração do arcabouço normativo de proteção do trabalho, pugnam, por meio desta Nota Pública, pela rejeição da mudança proposta para o art. 626 da Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 24 de agosto de 2021.
JOSÉ ANTONIO VIEIRA DE FREITAS FILHO/LYDIANE MACHADO E SILVA Presidente/Vice-Presidenta
UBIRATAN CAZETTA Presidente da ANPR
TRAJANO SOUSA DE MELO Presidente da AMPDFT