NOTA PÚBLICA PELA IMPROCEDÊNCIA DA ADPF Nº 509/2017 OPOSTA À PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 4, DE 11/05/2016, QUE ESTABELECEU O CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM SUBMETIDO TRABALHADORES A CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT, entidade que congrega e representa os(as) Membros(as) do Ministério Público do Trabalho de todo o País, nos termos do inciso VII do art. 2º do seu Estatuto, vem manifestar-se FAVORAVELMENTE à subsistência da Portaria Interministerial nº 4, de 11/05/2016, que estabeleceu o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo.
A indigitada portaria é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 509/2017, ora em votação pelo E. Supremo Tribunal Federal em sessão virtual, sob o fundamento de que o cadastro viola os princípios constitucionais da reserva legal, da separação dos poderes, da presunção de inocência e do devido processo legal.
Com efeito, o Brasil é um Estado Democrático de Direito, constitucionalmente compelido à efetivação do ideário da justiça social, o que pressupõe a valorização do trabalho e a preservação da dignidade da pessoa humana do trabalhador.
A dita escravidão moderna tem classe social e, majoritariamente, cor e raça. É insidiosa e pode caracterizar-se pela perda da privacidade, pela precariedade de alojamentos, pela falta de água potável, pelo fornecimento de alimentação deteriorada, pela exposição dos trabalhadores a lixo, a detritos tóxicos e a dejetos animais.
Dívidas impagáveis ora fazem o papel dos antigos grilhões. A possibilidade de ir e vir, aparentemente assegurada, é comprometida pela incapacidade de custear o deslocamento resultante da ausência de remuneração ou de severas restrições ao consumo.
A escravidão nos humilha perante a comunidade internacional, nos tem exposto a vexatórios embargos e atenta contra a concretização de todos os objetivos fundamentais da República – o desenvolvimento econômico sustentável, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem comum, a eliminação do preconceito e da discriminação.
A República Federativa do Brasil é signatária de diversos diplomas internacionais, que vigoram no ordenamento jurídico pátrio com status legal, por meio dos quais se obrigou a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório, a exemplo da Convenção 105 da Organização Internacional do Trabalho.
Registre-se que a ineficiência no combate ao trabalho escravo e na responsabilização dos que dele se beneficiam já conduziu a anterior condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O cadastro, cuja principal finalidade é pautar a Administração Pública na definição de estratégias e políticas voltadas à erradicação do trabalho escravo, insere-se, pois, no rol de mecanismos de enfrentamento da odiosa forma de exploração e de malferimento da dignidade da pessoa humana.
A inclusão de empregadores, restrita à esfera administrativa, decorre de procedimentos da Inspeção do Trabalho, conduzidos com absoluto respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, sem qualquer violação ao princípio da presunção de inocência.
Ressalte-se, finalmente, que a divulgação do cadastro atende aos ditames da Lei nº 12.527/2011, que, em consonância com o inciso XXXIII do art. 5º da Constituição da República, regula o acesso às informações das quais a Administração Pública seja detentora e, em seu art. 3º, determina a observância da publicidade como preceito geral e a do sigilo como exceção, inclusive para fomentar o desenvolvimento da cultura de transparência e viabilizar o controle social.
A ANPT segue convicta de que a manutenção do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo encontra amparo na ordem jurídica nacional e, assim, conclama os Excelentíssimos Senhores Ministros e as Excelentíssimas Senhoras Ministras do Supremo Tribunal Federal ao reconhecimento da improcedência da ADPF nº 509/2017, oposta à Portaria Interministerial nº 4, de 11/05/2016.
Brasília, 04 de setembro de 2020.
JOSÉ ANTONIO VIEIRA DE FREITAS FILHO/LYDIANE MACHADO E SILVA
Presidente/Vice-Presidenta