A afirmação acima é do procurador do Trabalho Sandro Sardá, e foi dita nessa quarta-feira, 17/05, durante audiência pública sobre a jornada de trabalho dos empregados em atividades de abate e processamento de carnes, na qual ele representou a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). O tema da reunião, promovida pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, do Senado Federal, levou em consideração o Projeto de Lei do Senado ( PLS) 436/2012, que limita a jornada de trabalho desses profissionais a 6 horas diárias e a 36 horas semanais.
Em sua manifestação, o procurador apresentou dados do Anuário de Acidentes do Trabalho, do INSS, e relatou que a primeira atividade que mais gera adoecimentos notificados no Brasil é o atendimento hospitalar. Em segundo lugar vem a atividade do comércio varejista, especialmente os supermercados, que basicamente têm se transformado em pequenos frigoríficos, onde compram o produto inteiro e passam a fazer o abate e processamento e o terceiro são os próprios frigoríficos.
A quarta atividade é a dos Correios que vem precarizando as condições de trabalho e gerando um expressivo número de lesionados. Em quinto, aparece a administração pública, “para quem acha que servidor público é vagabundo, olhe os dados de adoecimento que são bastante assustadores e impactantes”. Em seguida, vem a construção civil com um elevado número de adoecimentos ignorados, sendo que a OMS conclui que 90% das doenças ocupacionais não são notificadas.
Números
Os dados do INSS e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam para algo em torno de 750 mil acidentes de trabalho anualmente, mas os do IBGE e do PNAD, apontam 5 milhões, o que fecha parcialmente um grau de subnotificação apontado pela OMS da ordem de 90%. Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que o Brasil gasta 4% do seu PIB com doenças ocupacionais e acidentes do trabalho. “Estamos falando de 248 bilhões a cada ano, isso sem falar na verdadeira legião de pessoas lesionadas, suas vidas destruídas que achavam que o trabalho era a fonte de renda e de qualidade de vida e encontraram a morte em acidentes”, lembrou o representante da ANPT.
Sandro Sardá apresentou também dados recentes do MTE e do Ministério Público do Trabalho (MPT), material que foi lançado pelo observatório de saúde, onde se concluiu que somente nos últimos cinco anos, em benefícios previdenciário P91, foram em torno de 20 bilhões de reais gastos pela Previdência.
De acordo com o procurador, os frigoríficos possuem uma absoluta sinergia de agentes de risco e o primeiro deles é o ritmo intenso. Trabalhadores em frigoríficos chegam a realizar 90 movimentos por minuto, sendo que o mais aceitável seria em torno de 30. Eles são expostos ao frio, ao ruído, posturas inadequadas, amputações, umidade, deslocamento de carga em excesso, exposição à amônia, vasos de pressão, e jornadas exaustivas. Além disso, longos deslocamentos para o trabalho, já que as populações locais não desejam mais atuar nesses locais. “Então, só esses dados já justificariam amplamente a redução de jornada para 36 horas”, afirmou.
O patamar de adoecimento antes da Norma Regulamentadora (NR) 36, que trata da segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados, era superior a 35%, ou seja, mais de 35% da mão de obra de frigoríficos ficava adoentada. A partir da norma, esse patamar já foi reduzido para algo em torno de 20%, “o que é extremamente elevado e portanto inadmissível”.
Em 2015, em um dos maiores frigoríficos do Mato Grosso do Sul, dos 185 benefícios concedidos pelo INSS, tendo por diagnóstico distúrbios osteomusculares, somente 10% foram reconhecidos o nexo causal. Isso quer dizer que há uma legião de lesionados e o INSS sequer reconhece o nexo causal entre as condições de trabalho e os adoecimentos ocupacionais.
O procurador ressaltou que lamenta que o país discuta uma reforma trabalhista tão precarizadora das relações de trabalho, que trará prejuízos irreparáveis à saúde dos trabalhadores. “Essa reforma trabalhista que está em debate é a institucionalização do trabalho precário, do trabalho escravo, da terceirização, das jornadas exaustivas e dos adoecimentos em larga escala. Nunca, na história desse país, se observou um movimento tão forte de precarização das relações de trabalho, o que evidentemente não se coaduna com a Constituição Federal que, dos seus 11 títulos, em 7 deles estabelece que no trabalho decente, a dignidade é valor fundante da República do Brasil”, finalizou.