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REFORMA TRABALHISTA: Entidades de classe solicitam veto ao PLC 38

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), em conjunto com as outras entidades de classe que integram a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), entregou no Palácio do Planalto no início da tarde desta quinta-feira, 13/07, pedido de veto total ou parcial ao Projeto de Lei da câmara (PLC) 38/2017, que trata da reforma trabalhista. Para as associações, o projeto apresenta inúmeras inconstitucionalidades que devem levar ao esvaziamento de diversos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal.

No pedido, as entidades afirmam que o texto do PLC 38/2017, em diversos aspectos, “fere de morte direitos e garantias dos trabalhadores brasileiros assegurados na Constituição Federal, seja em seu aspecto material, onde teremos direitos trabalhistas constitucionais completamente esvaziados ou descumpridos, seja em seu aspecto processual, onde teremos a criação de inúmeros obstáculos de acesso à justiça pelo trabalhador que tem seus direitos descumpridos e/ou sonegados”.

As associações afirmam ainda que ao  reduzir drasticamente a proteção social nas relações de trabalho no Brasil, a reforma trabalhista enfraquece totalmente a aplicação e efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil.

 

Confira abaixo a íntegra do pedido de veto.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República Michel Temer

 

Objeto: PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 38, de 2017.

Finalidade: VETO TOTAL OU PARCIAL DO PLC 38/2017

Ementa: Altera a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

 

                        A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP, a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – AMPDFT, a Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (AMAGIS-DF), a Associação Nacional do Ministério Publico Militar – ANMPM, entidades de classe de âmbito nacional que congregam mais de 40.000 juízes e membros do Ministério Público em todo o país, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência apresentar PEDIDO DE VETO TOTAL ou PARCIAL do Projeto de Lei da Câmara nº 38 de 2017, que altera especialmente a Consolidação das Leis do Trabalho e também as Leis nº 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, recém aprovado pelo Senado Federal, tendo em vista as inconstitucionalidades nele presentes que, se adentrarem ao ordenamento jurídico nacional, certamente trarão o esvaziamento diversos direitos trabalhistas previstos constitucionalmente.

  

            CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES

 

            As entidades jurídicas associativas acima consignadas entendem que o texto do PLC 38/2017, em diversos aspectos, fere de morte direitos e garantias dos trabalhadores brasileiros assegurados na Constituição Federal, seja em seu aspecto material, onde teremos direitos trabalhistas constitucionais completamente esvaziados ou descumpridos, seja em seu aspecto processual, onde teremos a criação de inúmeros obstáculos de acesso à justiça pelo trabalhador que tem seus direitos descumpridos e/ou sonegados.

            Ao reduzir drasticamente a proteção social nas relações de trabalho no Brasil, o que será demonstrado no curso desse requerimento, a Reforma Trabalhista enfraquece totalmente a aplicação e efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III e IV, da Constituição Federal). Além disso, ao criar ou alargar vários contratos precários e reduzir ou permitir a redução de direitos e o aumento da sonegação trabalhista, causará um aumento nos índices de concentração de renda e de pobreza, indo contra a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais, objetivos fundamentais do Estado Brasileiro (artigo 3º da Constituição).

            Não bastassem essas afrontas à nossa Carta Magna, a proposição de Reforma Trabalhista, em seu texto atual, descumpre outros princípios e direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, notadamente os princípios da isonomia (artigo 5º, caput), ao criar graves distinções de direitos conferidos aos trabalhadores, de acordo com o tipo de relação de trabalho, do amplo acesso à justiça (artigo 5º, XXXVI), ao estabelecer vários obstáculos ao trabalhador para buscar seus direitos sonegados, da função social da propriedade e da empresa (artigo 5º, XXIII, e artigo 170), da busca do pleno emprego (artigo 170, VIII), ao criar ou fomentar contratos de trabalhos precários, com poucos direitos, ou a ocorrência de fraudes (autônomos e pejotização), além do princípio da vedação ao retrocesso social nas relações de trabalho (artigo 7º, caput).

            Destacado esse panorama de princípios fundamentais da Constituição, desde logo cabe dizer que o PLC n. 38/2017, da dita “Reforma Trabalhista”, detêm dispositivos que padecem de inconstitucionalidade formal e outros que padecem de inconstitucionalidade material. Não raro, um mesmo dispositivo padecerá dos dois vícios.

            Quanto às inconstitucionalidades materiais, dizem basicamente com os limites materiais ao poder de legislar, à vista dos direitos e das garantias sociais fundamentais (arts. 6º a 11 da Constituição Federal), conforme já destacado precedentemente. Aliás, mais que limites ao poder de conformação do legislador ordinário, são mesmo limites ao próprio poder constituinte derivado, como decorre da melhor doutrina nacional, à vista das restrições impostas ao legislador pelo artigo 60, §4º, IV, da Constituição.

            Nesse particular o das inconstitucionalidades materiais , sobressai, a toda evidência, a tese do chamado “negociado sobre o legislado” (i.e., admitir que a negociação coletiva possa indiscriminadamente estabelecer mínimos de proteção jurídico-laboral em níveis inferiores ao da legislação estatal). De fato, esse aspecto assume grande papel, porque abre brecha legal para que se estabeleçam, em todos os rincões do país, negociações coletivas tendentes a abolir direitos sociais previstos nos artigos acima listados (e especialmente no art. 7º), conquanto não fosse possível fazê-lo, como vimos, nem mesmo por proposta de emenda constitucional.

            Já quanto às inconstitucionalidades formais (entre as quais incluímos as procedimentais), divisam-se, “prima facie”, três eixos críticos, insuperáveis por qualquer linha de argumentação que se tome. Importante percebê-lo porque, se no campo das inconstitucionalidades materiais há sempre alguma margem para debate (e não por outra razão o Deputado Rogério Marinho citava, a cada entrevista sua, o quanto decidido no RE n. 895.759, sobre “negociado v. legislado”, conquanto se saiba que ali houve uma única decisão, não uma jurisprudência mansa e pacífica do Excelso Pretório), não ocorre o mesmo com as inconstitucionalidades formais: tais inconstitucionalidades geralmente são evidentes, “de per se” e “prima facie”; e, no caso do PLC n. 38/2017, são notavelmente óbvias. Já por isso, tais constatações de inconstitucionalidade são dificilmente contornáveis, na perspectiva da argumentação jurídica. Afinal, como deriva do secular brocardo latino que, embora não absoluto, serve bem à hipótese ─, “in claris cessat interpretativo” (= “na clareza [do texto ou da sua contrariedade literal], cessa [deve cessar] a interpretação”).

            O que se nota, já dessas considerações preambulares, que sobressaem eixos de inconstitucionalidade. O primeiro eixo diz com os limites constitucionais literais à chamada “flexibilização” pela via da negociação coletiva. O segundo eixo diz com os limites constitucionais formais à relativização do direito constitucional à duração de trabalho (i.e., oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais). O terceiro eixo, enfim, diz com a procedimentalidade constitucional-legislativa da PEC n. 38/2017. Nos termos do artigo 114 do ADCT, é certo que a tramitação de proposição, ressalvada a medida provisória, quando acarretar aumento de despesa ou renúncia de receita, há necessidade de análise da compatibilidade com o Novo Regime Fiscal, que foi instituído pela EC nº 95/2016. Todavia, esse relatório de impacto orçamentário não foi feito, embora o PLC 38/2017 incorpore evidentes hipóteses de renúncia direta e indireta de arrecadação, que estão sendo simplesmente ignoradas pelo Parlamento.

            Da forma aprovada pelo Congresso Nacional, o texto do PLC 38/2017 descumpre seguramente fundamentos, objetivos fundamentais e princípios garantidos pela Constituição.

            Estabelecido este cenário inicial, com os levantamentos preambulares de aspectos das inconstitucionalidades, segue-se com a análise, mais pormenorizada, de dispositivos contemplados na reforma que representam violação à Constituição de 1988 e que justificam o veto total ou parcial da referida proposta legislativa.

 

 

            INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA PROPOSTA –  DESCUMPRIMENTO DE PROCEDIMENTOS TRAZIDOS EM CONVENÇÕES DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)

 

            Não há dúvida alguma de que há um enorme déficit democrático em torno da discussão da proposta, pois ela é fruto da total ausência de um debate social amplo, especialmente entre os trabalhadores brasileiros, que serão os principais atingidos pelas profundas mudanças na legislação trabalhista.

            Como já afirmado pelo Ministério do Trabalho, o PL 6787/2016 Executivo foi gestado sem a efetiva participação dos trabalhadores na sua discussão, em claro descumprimento à Convenção nº 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Estado Brasileiro, o que foi reconhecido pela própria OIT, norma internacional que prevê a necessidade de discussão entre as representações dos trabalhadores e dos empregadores e os Estados quando da apresentação de propostas que possam modificar o ordenamento jurídico laboral.

            E nem se alegue que essas discussões foram feitas perante a Câmara dos Deputados e o Senado Federal nas audiências públicas realizadas, pois os Senhores Relatores do projeto, em ambas as casas legislativas, praticamente não acataram quaisquer das inúmeras ponderações e sugestões feitas por estas e outras entidades e instituições, incluindo em seu relatório inúmeras normas que prejudicam os trabalhadores e retiram direitos e proteções hoje existentes.

Por isso, talvez o que esteja sendo mais violentamente agredido seja o diálogo social verdadeiro. São incontáveis audiências públicas, notas técnicas, falas, reuniões, etc., com a presença das mais diversas entidades. Todavia, nada, absolutamente nada, foi sido considerado na tramitação da chamada “Reforma Trabalhista”.

A democracia não se contabiliza pelo número formal de audiências públicas ou de reuniões, mas, sim, substancialmente, na análise de quanto do contraponto e do contraditório são realmente levados a sério.

Por esses motivos, entendemos que a proposta de Reforma Trabalhista padece do vício de inconstitucionalidade formal.

 

            INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO PLC 38/2017 /  AFASTAMENTO E ESVAZIAMENTO DOS DIREITOS TRABALHISTAS CONSTITUCIONAIS

 

            1. FOMENTO A FRAUDES À RELAÇÃO DE EMPREGO

 

            Iniciando nossa argumentação mais específica quanto às várias inconstitucionalidades presentes no PLC 38/2017, aprovado recentemente pelo Senado, é imprescindível consignar que a proposta em comento cria um “cardápio” de contratos de trabalho e de emprego precários, facilitando a redução da proteção social dos trabalhadores brasileiros, garantida, sobretudo, pelo artigo 7º da Constituição Federal, e fomentando a mera substituição dos contratos de trabalho a tempo indeterminado (com mais proteção e mais direitos) por contratos fraudulentos, por contratos temporários e por contratos de trabalho em que o empregado pode receber abaixo do salário mínimo mensal.

            O texto aprovado do PLC nº 38/2017 fomenta fortemente a prática de fraudes nas relações de trabalho, com objetivo espúrio de afastar o vínculo de emprego, em situações onde estão caracterizados os elementos da relação empregatícia, aumentando, assim, a exploração do trabalhador brasileiro, com o esvaziamento e a sonegação de praticamente todos os direitos trabalhistas previstos no artigo 7º da Constituição.

            E isso acontecerá, sobretudo, a partir do incentivo a fraudes na utilização de falsas pessoas jurídicas e falsos trabalhadores autônomos que, em realidade, seriam empregados e que, por isso, deveriam ter preservados os direitos do art. 7º da Constituição.

            Nesta seara, a redação trazida para o novo artigo 442-B da CLT e para alteração do artigo 4º-A da Lei nº 6.019/74, permitirá que trabalhadores com carteira de trabalho assinada e vínculo de emprego formalizado sejam demitidos e recontratados como falsos trabalhadores autônomos e como falsas pessoas jurídicas, prestando o mesmo tipo de serviço e com a presença dos elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, mas sem vários dos direitos garantidos constitucionalmente.

                         Vejamos a redação do artigo 442-B do PLC 38/17:

           

Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.

 

            A proposta possibilita a existência da figura do autônomo prestando serviços em regime de exclusividade, ou seja, a um só tomador do seu serviço, e de forma contínua, o que certamente fará com que empregados sejam dispensados e recontratados como falsos autônomos, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, ou seja, com a presença dos elementos configuradores da relação de emprego. Senhor presidente da República, temos plena convicção que referido dispositivo gerará ainda mais informalidade e desemprego no mercado de trabalho brasileiro.

            Referido dispositivo viola frontalmente o artigo 7º da Constituição Federal, pois, ao mascarar a relação de emprego sob a forma de autônomo, que praticamente não possui direitos e que trabalho por conta própria e sob os próprios riscos, retira de trabalhadores diversos direitos que são garantidos unicamente àqueles que possuem contrato de emprego com registro em CTPS. Nessa linha, o trabalhador falso autônomo, que na realidade deveria ser empregado, não terá os seguintes direitos constitucionais previstos nos seguintes incisos do artigo 7º da CF: I) relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; II) seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III) fundo de garantia do tempo de serviço; IV) salário mínimo, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo; V)  piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;  VI) irredutibilidade de salário; VII) garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VII) décimo terceiro salário com base na remuneração integral; IX) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X) proteção do salário; XIII) duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; XV) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI) remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; XVII) gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII) licença à gestante; XIX) licença-paternidade; XXI) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias; XXII) redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII) adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV) aposentadoria; XXVIII) seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. Enfim, quase nenhum direito fundamental.

            Assim, ao possibilitar que o trabalhador, hoje empregado, possa ser contratado como falso autônomo, sobretudo em razão da exclusividade e da continuidade da prestação do serviço a um único tomador, a norma em questão esvazia por completo a proteção constitucional dos direitos previstos no artigo 7º da nossa Carta Magna. NADA MAIS INCONSTITUCIONAL!

            Além disso, o artigo 442-B, além de contrariar o princípio da primazia da realidade, que informa o direito do trabalho, atinge também o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante o acesso à justiça, pois obsta o reconhecimento da condição de empregado ao trabalhador contratado como autônomo, ainda que caracterizada, na realidade, a relação de emprego, nos termos do art. 3º da CLT.

            Da mesma forma, a proposta possibilita, com a eventual alteração da redação do artigo 4-A da Lei nº 6.019/74, que amplia a prestação de serviços em todos os tipos de atividades da empresa, inclusive a sua principal, que empregados sejam dispensados e outros ou os mesmos (após 18 meses) sejam contratados para prestar os mesmos serviços como falsas pessoas jurídicas, precisando para isso cumprir tão somente os seguintes requisitos: inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, registro na junta comercial e um capital de R$ 10.000,00 (dez mil reais), podendo, nesse caso, prestar serviços sozinho ou com até dez empregados.

            Esse pernicioso dispositivo, claramente inconstitucional, fomentará o aumento do uso de uma fraude muito conhecida nas relações de trabalho, a chamada “pejotização”, fenômeno que ocorre quando uma empresa passa a utilizar dos serviços de um trabalhador sob a máscara de uma falsa pessoa jurídica, como se essa fosse uma legítima empresa prestadora de serviços, mas presentes, de fato, todos os elementos configuradores da relação de emprego, em especial a pessoalidade e a subordinação.

            Assim como o falso trabalho autônomo, a “pejotização” também retira toda a proteção constitucional do trabalhador, pois, como suposta empresa, o trabalhador não possui também vários direitos como seguro-desemprego (inciso II); FGTS (inciso III); garantia do salário mínimo (inciso IV); décimo terceiro salário (inciso VIII); remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (inciso IX); proteção do salário (inciso X); limitação diária e semanal de jornada de trabalho (inciso XIII); repouso semanal remunerado (inciso XIV); adicional de horas extras (inciso XVI); férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (inciso XVII); licenças maternidade e paternidade (incisos XVIII e XIV); aviso prévio (inciso XXI); adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (inciso XXIII); aposentadoria (XXIV); seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador (inciso XXVIII), dentre outros direitos constitucionais, tendo, ainda, que arcar com os custos de abertura e manutenção da falsa empresa, suportando praticamente todos os ônus do seu “empreendimento”.

            Os referidos dispositivos em comento atentam contra a dignidade da pessoa humana dos trabalhadores que serão explorados (artigo 1º, III), o valor social do trabalho (artigo 1º, IV), fundamentos da República Federativa do Brasil, assim como contra a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, objetivos fundamentais do Estado Brasileiro (artigo 3º, II e III).

            Além disso, as normas propostas descumprem também princípios fundamentais da ordem econômica, previstos no artigo 170 da Constituição da República, especialmente a valorização do trabalho humano e a justiça social, para uma existência digna (caput), a função social da propriedade (inciso III) e a busca do pleno emprego (inciso IX).

            Então, resta cristalina a inconstitucionalidade do PLC 38/2017, os aspectos acima levantados.

 

            2. CRIAÇÃO E AMPLIAÇÃO DE VÍNCULOS PRECÁRIOS E EMPREGOS SEM QUALIDADE, EM CLARO CONFRONTO COM OS COMANDOS CONSTITUCIONAIS

 

            Do teor do PLC 38/2017 extrai-se, também, o estímulo à substituição dos contratos por prazo indeterminado, que têm garantias mínimas legais e constitucionais, por vínculos precários e empregos sem qualidade, como a ampliação desmedida da terceirização, inclusive na atividade principal das empresas, e a criação do trabalho intermitente, normas que violam regras e princípios constitucionais, como os da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da proteção social do trabalho, da função social da empresa e da busca do pleno emprego.

 

a) Inconstitucionalidade da terceirização ampla e indiscriminada

 

            O art. 2º do PLC 38/2017 promove a alteração da Lei nº6019/74 fixando no art. 4º-A desta lei a ampla e indiscriminada permissão para a terceirização de serviços em benefício das empresas tomadoras de serviços, em todas as atividades das tomadoras, inclusive em sua principal.

            O alargamento das possibilidades de terceirização para toda e qualquer atividade empresarial afronta diversos direitos e princípios constitucionais trabalhistas, pois, ao tornar a relação de trabalho trilateral, desnatura, por completo, a essência constitucional do contrato de trabalho, permitindo que haja empresas sem um único empregado, utilizando-se, por completo, de trabalhadores externos, com os objetivos de baratear o custo da mão-de-obra e eximir da responsabilidade direta pelo cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias.

            Essa permissão, trazida pela alteração do artigo 4º- A, fará com que os índices de redução da proteção social pela terceirização e da sonegação ou descumprimento de direitos trabalhistas cresçam exponencialmente, trazendo, com isso, o aumento da rotatividade no mercado de trabalho brasileiro, a redução de direitos e benefícios trabalhistas e da massa salarial dos trabalhadores brasileiros, a fragmentação da representatividade sindical, o aumento do calote aos empregados e, o mais grave, a ampliação dos alarmantes números de acidentes de trabalho no Brasil.

            São conhecidos, de tempo, os graves problemas trazidos pela terceirização e que ela representa apenas lucro para o patrão no fim do mês. O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Dieese. A terceirização também provoca desemprego, sendo seu índice de rotatividade no mercado de trabalho quase o dobro dos empregados diretamente contratados (33% x 64,4%). Terceirizados trabalham 3 horas a mais por semana, em média, do que contratados diretamente. Com mais trabalhadores fazendo jornadas maiores, deve cair o número de vagas em todos os setores. Se o processo fosse inverso e os terceirizados passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os contratados, seriam criadas 882.959 novas vagas de emprego, segundo o Dieese.

            A terceirização também cria uma verdadeira fábrica de acidentados no Brasil. Os trabalhadores terceirizados são prejudicados porque as empresas de menor porte não têm as mesmas condições econômicas das grandes para garantirem segurança na atividade dos seus trabalhadores. Além disso, elas recebem menos cobrança para manter um padrão de segurança e saúde, equivalente ao seu porte. Na Petrobrás, por exemplo, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. Os trabalhadores terceirizados são os que sofrem mais acidentes.

            Atualmente, a terceirização é permitida em algumas atividades, especialmente em serviços de vigilância e limpeza e atividades-meio. O que o Projeto de Lei nº 38/2017, recentemente aprovado pelo Senado Federal, prevê é a possibilidade de terceirização ser utilizada largamente em qualquer contrato de trabalho, em qualquer atividade empresarial, e sem quaisquer garantias para os trabalhadores terceirizados, sobretudo de isonomia de direitos com o empregado da empresa tomadora de serviço, oficializando o tratamento discriminatório entre empregados diretos e terceirizados e atentando contra os princípios constitucionais da igualdade/isonomia e da não discriminação (artigos 3º, IV, 5º, caput, XLI, 7º, XXXII). Não se trata de modernização. Trata-se da retirada de direitos e de retrocesso. Nem a responsabilidade solidária é garantida a este trabalhador que, se sofrer calote, o que é muito normal dentre empresas terceirizadas, terá que acionar na Justiça do Trabalho primeiro sua empresa formalmente empregadora para só depois poder atingir o patrimônio da empresa tomadora dos seus serviços, o que, muitas vezes, demora anos.

            Desta forma, a terceirização ilimitada afronta regras e princípios constitucionais, sobretudo os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da busca pelo pleno emprego (empregos de qualidade), da função social da propriedade, da igualdade e da isonomia (ao fomentar a discriminação entre trabalhadores diretamente contratados e terceirizados) e da justiça social.

            Não obstante a inobservância desses princípios, a terceirização indiscriminada, ao causar alta rotatividade, diminuição de direitos, benefícios e de salários de uma maneira geral, a fragmentação sindical e um alto número de acidentes e mortes no trabalho, viola materialmente e esvazia inúmeros direitos previstos nos artigos 7º, 8º, 9º e 11 da Constituição, notadamente, o cumprimento de direitos básicos como salário mínimo, FGTS, aposentadoria, aviso prévio, 13º salário, que, ou são reduzidos ou são sonegados, pelos altos índices de calotes em trabalhadores, a liberdade sindical e o direito de greve, esvaziados com a fragmentação sindical causada pela terceirização, e a representação dos trabalhadores nas empresas, uma vez que, com a terceirização, serão cada vez menos as empresas com menos de 200 empregados, o que, com a redução da quantidade de empregados por empresa, acabará por impactar negativamente a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em claro descumprimento também dos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 201, § 1º, 203, IV,e 227, II.

            Não se pode deixar de emprestar destaque ao tema da igualdade. Com efeito, nos termos do art. 2º do PLC 38, a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974 (Lei de Trabalho Temporário), passaria a vigorar com as seguintes alterações:

 

Art. 4º-C São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4º-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:

I – relativas a:

a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios;

b) direito de utilizar os serviços de transporte;

c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;

d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.

II – sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço.

 

            A nova regra elimina a isonomia obrigatória entre o trabalhador terceirizado e o empregado da tomadora de serviços, tornando a igualdade, que é princípio vinculante na Constituição da República, uma faculdade empresarial. Desse modo, prestando serviços o terceirizado em favor do tomador de serviço, obrigatoriamente devem ser garantidos os mesmos direitos do chamado trabalhador efetivo, o que resta, todavia, afastado da proposta. A Constituição de 1988, no art. 3º, inciso IV, estabelece, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Desse modo, a condição de terceirizado não pode atuar como fator de discriminação quanto a salários, benefícios e condições gerais de trabalho, sob pena de malferimento do aludido dispositivo constitucional.

 

b) Inconstitucionalidade do trabalho intermitente

 

            Nos termos da redação dada ao artigo 443 da CLT pelo PLC 38/2017, o contrato de trabalho poderá ter como objeto a prestação de trabalho intermitente. O projeto em análise define como intermitente “o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria."

            Não há qualquer dúvida de que essa famigerada espécie de contrato de trabalho é uma criação maldosa e claramente inconstitucional, tendo em vista que o contratado para trabalho intermitente não tem qualquer garantia de remuneração mínima e de jornada de trabalho mínima, não sabendo se trabalhará algo, nem muito mesmo se no final do mês terá qualquer remuneração. Nesse tipo de contrato, o empregador pode, em qualquer atividade e sem qualquer limite, pedir que o empregado trabalhe, por exemplo, uma, duas, três ou quatro horas, um ou dois dias na semana, fazendo com que o trabalhador tenha garantido, tão-somente, valor do salário-mínimo/hora que, certamente, pode ser bem abaixo do salário-mínimo mensal garantido por lei.

            Essa previsão viola frontalmente os incisos IV e VII, da Constituição Federal, pois o salário-mínimo deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, especialmente para moradia, alimentação, educação, saúde e lazer, o que, notadamente, não resta garantido com essa previsão do trabalho intermitente que permitirá, por exemplo, que trabalhadores não recebam nada mensalmente ou recebam duzentos, trezentos, quatrocentos reais, montante bem abaixo do salário-mínimo mensal brasileiro e que não será suficiente para prover seu sustento. Da mesma forma, esse trabalhador não poderá assumir compromissos financeiros mínimos, pois não terá a certeza de quanto auferirá de rendimento ao final do mês.

            Outro dispositivo constitucional diretamente descumprido por esse tipo de contrato é o direito à aposentadoria (artigo 7º, inciso XXIV), pois o trabalhador terá que trabalhar efetivamente muitos anos a mais para atingir o tempo mínimo para ter deferida sua aposentadoria, uma vez que os anos para a aposentadoria são, na verdade, contados em dias de contribuição e de trabalho.

            Além disso, o pagamento de direitos como 13º salário (inciso VIII), férias (inciso XVII), FGTS (inciso III) e repouso semanal remunerado (inciso XV) será sempre proporcional às horas trabalhadas, sendo que o trabalhador não terá garantia de que será contatado pela empresa para trabalhar, nem quando, nem por quantas horas. Trata-se de uma situação de total insegurança que impede o trabalhador de ter a previsibilidade da remuneração que ganhará para pagar as contas do mês. Tampouco poderá esse trabalhador, em jornadas intermitentes, assumir uma dívida para comprar a casa própria, por exemplo.

A prestação de trabalho intermitente iguala o trabalhador a uma máquina, que é ligada e desligada conforme a demanda. Além de transferir o risco da atividade para o trabalhador, o trabalho intermitente indiscriminado, porque independe do tipo de atividade do empregado e do empregador, ofende frontalmente o art. 1º da Constituição, que em seus incisos III e IV estabelecem como fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. Também os princípios da valorização do trabalho humano, da justiça social e da busca do pleno emprego, em que se fundam a ordem econômica, restam violados no texto do art. 170 da Constituição Federal. Empregos sem qualidade e sem qualquer tipo de proteção não atendem à intenção do Constituinte originário, violando diretamente a ordem constitucional instituída em 1988.

Por fim, impende ressaltar que não há dispositivo no PLC 38 que garanta a manutenção dos atuais níveis de emprego para se utilizar mão desta contratação, de modo que nada impede que, após aprovada e sancionada por Vossa Excelência essa Reforma Trabalhista, trabalhadores como garçons, cozinheiros, vendedores, por exemplo, sejam demitidos do contrato de trabalho a prazo indeterminado para serem recontratados como trabalhadores intermitentes, sem quaisquer garantias de renda e com grande possibilidade de receber menos do que o salário-mínimo mensal, o que demonstra a patente inconstitucionalidade material dos dispositivos que criam essa espécie de contrato.

 

            3. INCONSTITUCIONALIDADE DO PLC 38 AO PERMITIR A RETIRADA DE DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADOS

 

a) Acordos Individuais

 

            O projeto em tela tem como propósito fazer prevalecer a autonomia da vontade individual ou coletiva, permitindo acordos feitos pelo próprio empregado e por sindicatos para retirar direitos trabalhistas, sem exigência de qualquer compensação pela perda.

            Pelo texto aprovado pelo Congresso Nacional, várias situações jurídicas poderão ser objeto de acordo individual entre patrão e empregado, possibilitando que direitos sejam sonegados com o objetivo de baratear o custo da mão de obra. Algumas permissões trazidas no PLC 38 violam diretamente direitos constitucionais.

            O projeto permite, por exemplo, que, por negociação individual, sejam firmados quaisquer tipos de formas de compensação e estipulado o banco de horas, o que fará com que o empregado, na prática, não passe mais a receber, por exemplo, o adicional de horas extras de 50%, mesmo trabalhando habitualmente acima das 8 horas diárias. Essa permissão legislativa possibilitará o esvaziamento, por completo, do direito previsto no inciso XVII do artigo 7º, qual seja, o de receber remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do normal. Atualmente, o banco de horas só pode ser firmado por acordo ou convenção coletiva, portanto, com a participação obrigatória do sindicato representativo do trabalhador, com mais garantias aos empregados.

            O art. 7º, inc. XIII, da Constituição prevê a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Nota-se, no Texto Constitucional, que acordo ou convenção estão dispostos de forma conjugada, lado a lado, indicando uma excepcionalidade trabalhista, qual seja, em razão dos efeitos que o elastecimento de jornada implica sobre o meio ambiente laboral, e mais especificamente no que concerne à saúde dos trabalhadores, há exigência de instrumento formal, ou seja, acordo ou convenção que são necessariamente escritos e coletivos.

               Explicitamente, a flexibilização da jornada diária através de convenção coletiva ou de acordo coletivo, e, ainda, os próprios instrumentos coletivos, encontram seu fundamento de validade no Texto Constitucional (art. 7º, incs. XIII e XXVI).

            Não bastasse esse aspecto, a instituição informal de banco de horas, por mero acordo tácito, e com compensação em período de longa duração (seis meses), implica, na prática, na eliminação do pagamento de horas extras. Na forma do art. 7º, XVI, da Constituição, a regra que deve ser observada é a da remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal. A inovação, violando preceito constitucional, torna a remuneração do serviço extraordinário, que é regra, exceção.

            Frontalmente inconstitucional é a permissão, trazida no artigo 59-A, de que a jornada 12x36 seja definida a partir de acordo entre patrão e empregado, inclusive em atividades insalubres (artigo 60, parágrafo único). Esse dispositivo descumpre claramente a garantia constitucional de limitação da jornada (inciso XIII) e de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII). A Constituição Federal não permite a duração superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, com exceção da compensação e redução da jornada, por instrumentos coletivos de negociação. Assim, inconstitucional a previsão de que a jornada 12x36 horas possa ser fixada por simples acordo entre empregador e empregado. O PLC não traz restrição a qualquer tipo de atividade desempenhada pelo trabalho nesse tipo de jornada, de modo que, pelo texto, será permitida a fixação da referida jornada, por acordo individual, inclusive para atividades penosas, insalubres e perigosas. Tem sido comum trabalhadores que laboram nesse tipo de jornada ter outro emprego, também com a mesma jornada, algo muito perigoso, vez que deixa o empregado extremamente cansado, pois, nesse caso, ou trabalha 24 horas seguidas e descansa 24 horas ou trabalha 12 horas e descansa 12 e não 36 horas. Isso certamente trará um aumento do adoecimento de trabalhadores e de acidentes de trabalho, indo contra o espírito protetivo da Constituição Brasileira.

            Considerando o estabelecimento dessas diretrizes constitucionais, os regimes de compensação exigem negociação coletiva ou, mais precisamente, acordo ou convenção coletiva de trabalho. O acordo em referência apenas pode ser o coletivo, isso porque a Constituição demanda interpretação considerando sua unidade e sistematicidade interna. Nesse sentido, o art. 8º da Constituição representa valorização da autonomia negocial coletiva, e especialmente à vista do disposto no inc. III, motivo pelo qual compete ao sindicato a representação dos interesses da categoria.

            Não bastassem os riscos dessa jornada, o projeto é mais perverso ainda, pois retira dos empregados o direito ao pagamento em dobro dos feriados trabalhados, o repouso semanal remunerado e o adicional por prorrogação do trabalho noturno, descumprindo os comandos constitucionais trazidos nos incisos IX e XV do artigo 7º.

            Eis a redação do parágrafo único do art. 59-A da proposta:

 

Parágrafo único. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput deste artigo abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 5º do art. 73 desta Consolidação.

 

A Constituição Federal no art. 7º, inciso XV, estabelece como direito fundamental o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Os feriados do calendário oficial são dias de repouso. O labor em dias feriados, ainda que em regime de escala, não desnaturam o fato de que houve labor no dia destinado ao descanso. O direito ao descanso vincula-se ao conjunto de proteção de Medicina e Segurança do Trabalho, grafada pela indisponibilidade absoluta. Por isso, a eliminação do pagamento implica em flagrante inconstitucionalidade.

            O PLC 38 cria, outrossim, nova situação que permite a sonegação de direitos trabalhistas, a chamada rescisão por acordo mútuo. Nesse caso, havendo “acordo” entre empregador e empregado para o término da relação de emprego, o trabalhador receberá como aviso prévio e como multa do FGTS metade do que teria direito se fosse demitido sem justa causa. Ao possibilitar essa nova figura no direito trabalhista, o PLC 38 fomentará a existência de situação simuladas em que o empregado acabará por ser obrigado a aceitar a rescisão por acordo mútuo, sob pena de ser dispensado e nada receber, tendo que buscar seus direitos na Justiça do Trabalho. Além disso, com isso, descumpre-se, de cara, os incisos III e XXI, pois o trabalhador terá reduzido, em metade, seu direito ao FGTS e ao aviso prévio.

 

b) Renúncia de Direitos pelos Sindicatos - “Negociado sobre o Legislado”

 

            Como já demonstrado, o PLC 38/2017 possibilita sim a renúncia pelos sindicatos a direitos sociais trabalhistas penosamente conquistados ao longo do tempo.

            O instituto da negociação coletiva trabalhista consiste num instrumento de promoção da melhoria das condições sociais dos trabalhadores. Esse papel lógico, histórico e teleológico atribuído à negociação coletiva pela Constituição Federal de 1988 não pode ser rasgado, com a desfiguração e transmutação da natureza da negociação coletiva, de instrumento de inclusão socioeconômica para mecanismo de rebaixamento das condições de trabalho constitucional e legalmente asseguradas.

            Para atingir seu desiderato, o malsinado projeto de lei descaracteriza a própria natureza jurídica contratual do acordo e da convenção coletiva do trabalho, consoante se constata através de simples leitura do art. 611-A, § 2º, da CLT, permitindo que as negociações coletivas sejam firmadas sem qualquer contrapartida recíproca, ocasionando tão somente a perda de direitos dos trabalhadores:

 

A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.

 

            O Projeto de Lei viola a essência da convenção e do acordo coletivo, demonstrando, de forma clara e despudorada, que o objetivo é unicamente o de promover a redução dos direitos sociais trabalhistas por via transversa. Desse modo, vai contra as normas constitucionais, notadamente as previstas no artigo 7º, que só em 3 situações permitem a redução de direitos, quais sejam, a redução justificada de salários (inciso VI), a compensação de horários e a redução da jornada (inciso XIII), e a instituição de turnos ininterruptos de revezamento (inciso XIV).

            Nada além disso pode ser negociado pelos sindicatos para retirar direitos dos trabalhadores, mostrando-se inconstitucional qualquer norma infraconstitucional que atente contra essa determinação.

            Dentre os temas possíveis de negociação coletiva abaixo da lei (art. 611-A), chamamos atenção para os incisos III, V, VIII, IX e XII que esvaziam direitos trabalhistas fundamentais garantidos na nossa Lei Maior.

            O inciso III, por exemplo, permite o descumprimento de norma de ordem pública de saúde e segurança no trabalho – redução do intervalo intrajornada para 30 minutos – sem qualquer restrição sobre tipos de atividades ou observância de condições mínimas para que o trabalhador efetivamente possa ter algum descanso nesse curto lapso de tempo. Com isso, descumpre a previsão constitucional do inciso XXII, levando, se aprovada, a um aumento do índice de adoecimento e de acidentes de trabalho, impactando ainda mais o sistema de saúde brasileiro e os alarmantes números de infortúnios do trabalho no Brasil.

            Por seu turno, a previsão da possibilidade de definição de funções de confiança (inciso V) permitirá que funções triviais de determinadas empresas sejam definidas como “de confiança” com o único intuito de não pagar horas extraordinárias, em clara tentativa de esvaziar a aplicação do inciso XVI do artigo 7º barateando a mão-de-obra e sonegando o pagamento de adicional de horas extras para os trabalhadores. É o caso, por exemplo, do setor bancário, onde, se fixado que determinada função é de confiança, o trabalhador bancário, que tem uma jornada de 6 horas diárias, passará a não receber adicional de horas extraordinárias sobre a 7ª e 8ª horas trabalhadas.

            O inciso VIII, por sua vez, permite que todas as normas legais relativas ao regime de sobreaviso, ao teletrabalho e ao trabalho intermitente, essas duas últimas trazidas no âmbito deste PLC, podem ser simplesmente afastadas por negociação coletiva, retirando a mínima proteção disposta na Consolidação das Leis do Trabalho. Isso é dar aos sindicatos em “cheque em branco”, permitindo o afastamento de vários dos direitos previstos no artigo 7º da Constituição. Um exemplo concreto disso é a exclusão ou redução, por convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo, do pagamento de 13º salário, do repouso semanal remunerado, das férias com acréscimo de um terço e dos adicionais legais, todos direitos constitucionais trabalhistas previstos no artigo 7º e que, de acordo com a redação atual, podem ser negociados livremente, sem quaisquer restrições ou balizas.

            Preocupa-nos também inconstitucionalidade se negociar a remuneração apenas com base na produtividade (inciso IX). Isso pode gerar situações em que os trabalhadores, para terem uma maior remuneração, laborem ao máximo possível, num intenso desgaste físico e mental que pode levar a adoecimento e mortes. É uma carta branca para que as empresas explorem ao máximo o trabalhador que, para ter uma remuneração melhor, pode vir a ter que trabalhar acima dos limites legais de jornada. Situação apta a exemplificar essa questão é o caso dos cortadores de cana que, para conseguir um melhor resultado salarial, trabalham 13, 14, 15 horas por dia para poder cortar mais toneladas, o que, por já ter gerado mortes no Brasil, acabou por ser proibido pelo Poder Judiciário.

            Por fim, ao permitir o reenquadramento do adicional de insalubridade (inciso XII), o PLC é extremamente injusto e inconstitucional, possibilitando, por exemplo, que o trabalhador que labore submetidos a agentes insalubres em grau máximo (pela CLT, com direito a receber um adicional de 40%) possa vir a receber um adicional de 10%, como se estivesse exposto a um grau mínimo de insalubridade. Em nossa concepção, essa previsão fere o disposto no inciso XXXIII do artigo 7º, esvaziando a sua aplicação.

 

            4 – INCONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO DE GESTANTES E LACTANTES EM CONDIÇÕES INSALUBRES

 

            O PLC 38/2017 propõe alteração legislativa que promoverá, na hipótese do mesmo vir a ser aprovado, significativa modificação nas condições de trabalho das gestantes e das lactantes. Com efeito, a redação proposta permite ao empregador exigir a prestação laboral de gestantes em atividades consideradas insalubres, ainda que sujeitas à liberação de médicos de confiança das mesmas.

            Não obstante tal possibilidade seja restrita a condições de insalubridade em grau mínimo ou médio – uma vez que a possibilidade para grau máximo fora suprimida na Câmara dos Deputados -, ainda assim se vislumbra patente vício material de inconstitucionalidade, posto que põe em risco um dos postulados básicos do estado brasileiro que é a proteção à vida humana e aos direitos do nascituro.

            De fato, apesar do dispositivo previsto no citado PLC prever a necessidade de atestado médico – de profissional de confiança da gestante -, o mais sensato, quando se leva em consideração os bens jurídicos protegidos pela norma, seria o incondicional afastamento da gestante de toda e qualquer função insalubre, independentemente do grau de risco.

            No ponto, há de se levar em consideração, obviamente, a potencial possibilidade de pressões externas e inconfessáveis sobre médicos colocados à disposição de gestantes nessa condição, bem como, hipótese factível em se tratando de agentes insalubres, do desenvolvimento de patologias nos nascituros sobre as quais a ciência médica não pode ou não teve condições de atentar no caso concreto diante do agente lesivo.

            O mais sensato, albergando-se inclusive no Princípio da Proteção Integral conferido às crianças e adolescentes, é conferir-se garantia jurídica ao feto de forma ampla e irrestrita, de forma que reste impossibilitado o labor de mulheres grávidas sob condições insalubres, como forma de se precaver danos - não raro irreparáveis - à saúde da criança em gestação.               

            Por conseguinte, a opção legislativa estampada na reforma trabalhista viola, sem sombra de dúvidas, alguns postulados constitucionais que garantem proteção integral à vida, esta inclusive no estágio intrauterino, em claro confronto a diversos princípios da Lei Maior, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), o valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV), a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput), A função social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII), a proteção do mercado de trabalho da mulher (art. 7º, inciso XX) e a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, inciso XXII).

 

            5 – VIOLAÇÃO À NÃO REGRESSIVIDADE DE DIREITOS – INTERVALO PARA AS MULHERES E RETIRADA DE CONTROLE DE JORNADA NO TELETRABALHO

 

            O PLC 38/2017 aprovado no Senado também avança sobre tema que tem matriz constitucional ao eliminar o intervalo de 15 minutos, destinado ao descanso da mulher trabalhadora antes do início da jornada extraordinária. O art. 5º, inc. I, letra i, expressamente revoga, sem nada colocar no lugar, o disposto no art. 384 da CLT, que está inserido no capítulo Da proteção do trabalho da mulher e prevê que em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho. Conforme art. 5º, inc. I, da Constituição, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição, ou seja, encontra-se estabelecida a igualdade substancial que, na prática, considera que são válidas as distinções relacionadas ao posicionamento de cada gênero no mercado de trabalho.

            A propósito, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do IIN-RR 1540/2005-046-12-00.5, pronunciou-se no sentido de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela vigente Constituição, tratando-se de norma de proteção à mulher e que não conflita com, antes confirma, o princípio da isonomia. Nesse sentido:

 

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. HORAS EXTRAS. O art. 384 da CLT estabelece a obrigatoriedade de concessão à mulher do intervalo de quinze minutos, no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho, por se tratar de medida de higiene, saúde e segurança do trabalho. Outrossim, tendo esta Corte entendido que o referido artigo foi recepcionado pela nova Ordem Constitucional, tem reiteradamente determinado que se confira ao intervalo em apreço o mesmo tratamento que se dá aos casos em que houve desrespeito ao intervalo intrajornada previsto no art. 71 da CLT, deferindo-se o pagamento das horas correspondentes, com o acréscimo de 50% e respectivos reflexos legais. Recurso de Revista conhecido em parte e provido. (RR - 290-42.2013.5.09.0015, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, Acórdão da 4ª Turma, DEJT 15/08/2014).

 

            Além disso, em decisão com repercussão geral o STF confirmou a recepção constitucional do art. 384 da CLT, sendo que a norma é aplicável a todas as mulheres trabalhadoras (RE 658.312-SC, Relator Ministro Dias Toffoli).

            O raciocínio jurídico importante contido na vertente que prevaleceu no julgamento do incidente de inconstitucionalidade diz respeito ao reconhecimento de que a norma trabalhista em evidência ambienta proteção relacionada à medicina e segurança do trabalho.

            A regulação do teletrabalho, com exclusão, em qualquer hipótese, do pagamento de horas extras, é incompatível com o atual regime constitucional. No caso, o PLC 38/2017 insere na exceção do art. 62 da CLT, ou seja, dentre aqueles que não estão abrangidos no capítulo da duração do trabalho, os empregados em regime de teletrabalho (inc. III).

            Quanto à temática da limitação da jornada, a Constituição de 1967/69 assegurava aos trabalhadores, conforme redação disposta no art. 165, além de outros direitos que visassem à melhoria da sua condição social, “duração diária do trabalho não excedente a oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos especialmente previstos” (inciso VI). Aliás, também a Constituição de 1946, em razão do art. 157, inciso V, estabelecia a regra da duração do trabalho diário não excedente de oito horas, mas assumia a possibilidade de casos e condições excepcionais que fossem previstos em lei.

            O contexto normativo então prevalente por mais de quarenta anos comportava raciocinar em torno da ideia de regime ou regra geral de horário, de um lado (no plano constitucional), e regime ou regra especial, de outro (no plano infra), tanto que estavam ressalvados os casos especiais previstos, que o seriam por lei.

            A atual Constituição, também sem prejuízo de outros direitos que possam melhorar a condição social dos trabalhadores, prevê “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7º, inciso XIII). Isso significa que não foi contemplada a hipótese de “casos especiais” que possam afastar a regra da necessidade de controle da duração da jornada. Nessa linha, o teletrabalho não é caso especial para esse fim, isso porque não há impossibilidade de controle. A própria CLT, reformulada já na era democrática, incorpora como válido o controle por meio telemático ou qualquer correspondente ou instrumental moderno de caráter eletrônico. Trata-se, no caso, do parágrafo único do art. 6º da CLT, introduzido por força da Lei nº 12.551, de 2011 (os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio).

 

            6 - OBSTÁCULOS PARA ACESSO À JUSTIÇA E DE EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

 

            São muitas as investidas contra o direito do trabalho, no PLC 38/2017, que revelam, entre outras, a clara intenção de eximir de responsabilidade o empregador, nas relações de trabalho. E o mesmo ocorre inclusive, e com destaque, nas questões afetas ao processo do trabalho.

            Notadamente o art. 8º contempla limites à interpretação judicial pela magistratura do trabalho que viola efetivamente o primado essencial da democracia que é o da independência judicial. O Poder Judiciário é Poder da República e os juízes gozam de predicamentos que visam à garantia de efetividade da própria cidadania. Dentre eles se encontra o atributo da independência. Por isso mesmo, é absolutamente inviável que qualquer dispositivo de norma infraconstitucional limite, constranja ou regula o alcance da intelecção judicial sobre os casos que estejam em julgamento. A propósito, o próprio § 4º do art. 60 da Constituição revela que a Separação de Poderes limite o poder de reforma constitucional. E o Poder Judiciário é justamente composto por seus juízes (arts. 92 e 96 da Constituição).

            Em diversos dispositivos do PLC 38/2017 observa-se o impedimento ou a restrição do acesso do trabalhador à justiça, em flagrante ofensa ao disposto no artigo 5º, inciso XXXV, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Além disso, atinge frontalmente o princípio da igualdade material, eis que desconsidera, também na seara processual, a hipossuficiência do empregado em relação ao empregador, característica intrínseca da relação de trabalho, retirando dos trabalhadores mais desfavorecidos economicamente – maioria da “clientela” da Justiça do Trabalho – o direito de reclamar em juízo os seus direitos decorrentes das relações de trabalho.

            De início, o PLC dificulta a obtenção do benefício da gratuidade da justiça. A proposta prevê que só poderá obter referido benefício o trabalhador que perceber salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social e aquele que comprovar a insuficiência de recursos. Atualmente, o obreiro precisará receber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou tão somente declarar, sob as penas da lei, que não está em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, não precisando comprovar suas alegações.

            O mesmo art. 611-A, mencionado acima, no § 5º, contempla previsão inconstitucional por representar injustificado embaraço ao exercício amplo do direito de ação. A redação proposta é a seguinte:

 

§ 5º Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.

 

            O art. 5º, XXXV, da Constituição prevê, como direito fundamental, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. A previsão contemplada pela proposta de reforma, no entanto, inviabiliza o direito de ação, tratando-se de obrigação irrealizável.

            Prosseguindo no campo de óbice ao acesso à justiça, nos termos do PLC 38/2017 (arts. 790, §§ 3º e 4º; 790-B, caput e  §4º), o trabalhador que ajuizar uma ação trabalhista e, nesta for vencido no objeto da perícia, terá que arcar com os honorários periciais, ainda que seja beneficiário da justiça gratuita. Terá que suportar esse ônus utilizando o eventual crédito a que faça jus no mesmo processo ou em outro processo. Percebe-se aí, com nitidez, que pretende o Projeto inviabilizar o acesso do trabalhador ao Judiciário, pois impõe a este um ônus absurdo para a produção de prova pericial, modalidade probatória indispensável a várias pretensões, sobretudo as afetas às questões de saúde e segurança do trabalho, como a insalubridade e a periculosidade, apenas para exemplificar.

            Também no texto do referido PLC, art. 791-A, verifica-se que o obreiro terá que pagar honorários advocatícios, mesmo que lhe seja deferida a gratuidade da justiça, no caso de sucumbência recíproca. Assim, caso o trabalhador ingresse com uma reclamação trabalhista pleiteando, por exemplo, 10 pedidos e tenha sua ação julgada parcialmente procedente, terá, mesmo sem qualquer má-fé, que pagar até 15% sobre o valor relativo aos pedidos não reconhecidos para o advogado da parte contrária. Isso poderá deixá-lo até devedor se eventualmente grande parte do seu pedido for julgado improcedente.

            Tanto nesta situação, relativa a honorários advocatícios, quanto na dos honorários periciais, o trabalhador tem que pagá-los com os eventuais créditos recebidos no mesmo processo ou em outro. Em ambos os casos, o trabalhador provavelmente nada receberá ao final do processo judicial, ainda que seja vencedor em parte.

            Resta evidente, portanto, que atribuir ao trabalhador, mesmo que este seja beneficiário da justiça gratuita, o ônus de pagar honorários periciais e advocatícios impede, na prática, o acesso do obreiro à jurisdição.

            Da mesma forma, ao inviabilizar a propositura de nova ação, caso o reclamante/trabalhador não comprove a quitação das custas a que foi condenado por ausência à audiência inaugural no processo anterior, ainda que lhe tenha sido concedida a gratuidade da justiça (PLC 38/2017, art. 844, §3º), o projeto em questão agride frontalmente o texto constitucional, no mencionado art. 5º, inciso XXXV, pois também neste particular impede o acesso ao Judiciário. Via de regra, o trabalhador ingressa em juízo para reclamar verbas trabalhistas quando já saiu da empresa acionada, e normalmente está desempregado. Ademais, como se sabe, as ações trabalhistas têm, na sua maior parte, como objeto, verbas rescisórias, decorrentes de um contrato findo. O trabalhador pede tais verbas na Justiça, portanto, em momento de absoluta fragilidade, pois não tem mais emprego e não recebeu o que lhe é devido, no momento em que tais verbas deveriam ter sido pagas.

            Seguindo a lógica adotada em toda a construção normativa, no sentido de dificultar ou impedir o exercício do direito de ação pelo trabalhador, o PLC 38/2017 elimina a execução de ofício no processo do trabalho, salvo nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado(art. 878 da CLT, segundo PLC 38/2017) ou no caso das contribuições sociais (art. 876 da CLT, na forma do PLC 38/2017).

            Há, ainda, a restrição, pelo PLC 38, da inovação do recente CPC, no sentido de permitir o protesto da decisão transitada em julgado, para fins de gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, somente após transcorrido o prazo de 45 dias. O CPC de 2015 prevê o transcurso do prazo de 15 dias (art. 517c/c art.523). Tal medida beneficia o executado inadimplente e prejudica, muito, o exequente/trabalhador, que levará mais tempo para receber seu crédito.

            A proposta, no que se refere ao depósito recursal, contempla previsão já reconhecida inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Eis o dispositivo:

 

art. 899. (…) § 4º O depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança.

 

            A inconstitucionalidade diz respeito ao desencontro com o entendimento disposto no julgamento da ADI 4357 do STF.

            O PLC 38/2017 reduz também a efetividade da execução trabalhista quando afasta a exigência do depósito recursal na conta vinculada do empregado, além de permitir a sua substituição por fiança bancária ou seguro garantia judicial (art. 899).

            Além disso, a possibilidade de extinção do contrato por acordo entre empregado e empregador, com o pagamento das verbas rescisórias pela metade; o termo escrito de quitação anual de obrigações trabalhistas, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas; o reconhecimento da quitação ampla dos Planos de Demissão Voluntária e dos Planos de Demissão Incentivada, sem garantias mínimas aos trabalhadores; e a permissão da arbitragem privada no direito individual do trabalho também atingem o princípio constitucional do acesso à justiça, pois pressupõem uma situação consolidada entre as partes do contrato de trabalho que as impede de reclamar em juízo. Ademais, ignoram a desigualdade material existente entre empregado e empregador, na relação de trabalho.

           

            CONCLUSÃO

 

            Demonstradas acima, por sólidos argumentos jurídicos, a inconstitucionalidade de diversos dispositivos trazidos na proposta de Reforma Trabalhista, recentemente aprovada pelo Senado Federal, A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP, a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – AMPDFT, a Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (AMAGIS-DF), a Associação Nacional do Ministério Publico Militar – ANMPM, requerem a Vossa Excelência, no exercício das atribuições previstas no art. 84, V, da Constituição da República e em respeito aos seus princípios e objetivos fundamentais, VETO TOTAL do PLC n. 38/2017, recém aprovado no Senado Federal, tendo em vista a profunda inconstitucionalidade da proposta, ou, caso assim não entenda, que proceda ao VETO PARCIAL dos seguintes dispositivos: do artigo 1º do PLC 38, os art. 2º, § 2º e 3º; art. 8º, § 2º e 3º; art. 10-A; art. 11-A; art. 58, § 2º e 3º; art. 58-A; art. 59, § 5º e 6º; art. 59-A; art. 60, parágrafo único; art. 62, inciso III; art. 71, § 4º; art. 75-D; art. 75-E; art. 223-G e parágrafos; art. 394-A, incisos e parágrafos; art. 442-B; art. 443, caput e § 3º; art. 444, parágrafo único; art. 448-A, caput e parágrafo único; art. 452-A, caput, parágrafos e incisos; art. 457, § 1º, 2º e 4º; art. 461, caput e parágrafos; art. 477, caput, parágrafos e incisos; art. 477-A; art. 477-B; art. 484-A, incisos e parágrafos; art. 507-A; art. 507-B; art. 611-A, incisos e parágrafos; art. 611-B, incisos e parágrafo único; art. 614, § 3º; art. 620; art. 634, § 2º; art. 652, alínea f; art. 702, I, f; art. 790, § 3º e 4º; art. 790-B, caput e parágrafos; art. 791-A, caput e parágrafos; art. 844, § 2º, 3º e 5º; art; 855-B; art. 855-C; art. 855-D; art. 855-E; art. 878; art. 879; § 7º; art. 883-A; art. 884, § 6º; do artigo 2º do PLC 38, os art. 4-A; art. 5-A; art. 5-C; art. 5-D; do artigo 3º do PLC 38, o art. 20, inciso I-A, diante das suas inconstitucionalidades mais patentes, tendo em vista que o ingresso de determinados dispositivos no ordenamento jurídico brasileiro certamente trará retrocesso social para o país, desemprego e diminuição de direitos, agravando, ainda mais, a crise política, econômica e social.

 

 

 

Brasília, 13 de julho de 2017.


 

 

Roberto Carvalho Veloso

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE)

COORDENADOR DA FRENTE ASSOCIATIVA DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO – FRENTAS

 

 

Ângelo Fabiano Farias da Costa

PRESIDENTE

 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT

 

 


 Guilherme Guimarães Feliciano

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ANAMATRA

 


 

 Norma Angélica Cavalcanti

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONAMP

 


 

Jayme Martins de Oliveira Neto

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB

 

 


 Clauro Roberto de Bortolli

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR – ANMPM

 

 

 Elísio Teixeira Lima Neto

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS - AMPDFT

 


  

Fábio Francisco Esteves

PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS - AMAGIS DF

 

 

 

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