O segundo dia de atividades do XXIV Congresso Nacional do Procuradores do Trabalho teve início com a palestra do professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP) Alysson Leandro Mascaro. Ele abordou o tema “Cenários de proteção social trabalhista no Brasil e no mundo: enfoque sociológico”.
De acordo com o painelista, em um tempo de decadência da proteção jurídica do Direito do Trabalho, a atuação dos procuradores do Trabalho representa um ponto de luta e protagonismo social, que não pode ser ofuscado por discursos derrotistas e por um “moralismo de lástima”. “No Brasil existem milhões de brasileiros que gostariam que um congresso como este pudesse dar luz para que o povo vivesse de modo menos explorado. O povo não está ouvindo essa conferência, não sabe sequer o que é o mundo do trabalho com uma compreensão teórica. Eles precisam que nós saibamos lutar e dar a arma na sua mão, não da nossa lástima. É preciso superar esse discurso moralista e chegar ao horizonte científico da compreensão da própria sociabilidade contemporânea”, afirmou.
Mascaro afirmou que a destruição dos direitos sociais não surge no campo político ou jurídico, mas da sociabilidade capitalista, na qual o direito é necessário naquilo que é o conjunto do próprio capital. Utilizando-se de afirmações conceituais e históricas, o professor explicou que “o jeito capitalista de explorar o trabalho” é posto diante do vínculo empregatício e da contrapartida salarial, organizado por um modo necessariamente jurídico. Contudo, o capitalismo, segundo ele, explora o trabalhador tanto quanto o fez os sistemas feudal e escravagista. “O grande mistério da exploração do trabalho capitalista é que ela não é visível, como na vassalagem e no sistema feudal. Em muitos casos, a escravidão é patente. Esse modelo de exploração, em algum momento, se transborda para um problema jurídico”, explicou.
A partir daí, o palestrante fez reflexões sobre a necessidade de uma regulação das relações de trabalho por meio da garantia de direitos sociais, de forma que empregadores tenham uma baliza legal para realizar a exploração do trabalho, sobrepondo, assim, o argumento de que o trabalhador tem liberdade e autonomia para se submeter a baixos salários e condições precárias de trabalho. “Este horizonte que faz surgir o Direito do Trabalho diverge parcialmente em relação ao horizonte estrutural do direito capitalista. Essa baliza de 70 anos da sociabilidade brasileira diz que, se for explorar alguém, a lei deve ser observada. Nesse contexto, os procuradores do Trabalho são uma estaca que sangra a lógica geral do capitalismo, pois para os capitalistas, não deveria existir a CLT e as demais barreiras trabalhistas, mas a liberdade de contratar alguém da forma como quiser. A lógica do Direito do Trabalho não é contra o capitalismo, ele existe para que a exploração seja mais regulada, para garantir direitos sociais, para que o trabalhador produza melhor”, conceituou.
De acordo com Mascaro, está em curso uma “tragédia do nosso tempo”, na qual a classe trabalhadora não sabe lutar pelos seus direitos, em decorrência de mecanismos alienantes aplicados pela sociabilidade capitalista por meio de um discurso na mídia e nas redes sociais. “As pessoas pensam conforma a lógica do capital e da cumulação. Existe uma constituição da subjetividade que a sociedade capitalista sabe forjar. A classe trabalhadora está controlada porque está constituída pela ideia do capital. Dessa forma, por pior que seja a crise, o povo não se levanta”, lamentou. O docente da USP acredita que órgãos como o MPT estão “salvando o capitalismo dos capitalistas”, na medida em que representa um contraponto à exploração desmedida do trabalho.
O professor afirmou que a primeira iniciativa de “esfarelamento” do capitalismo nacional e do fim dos direitos sociais veio do meio jurídico. Segundo Mascaro, os juristas estão mais preocupados com a defesa da ordem e do capital, deixando de ter um olhar mais social sobre sua atuação. Para ele, dentro dessa realidade, o MPT deve manter um discurso de resistência. “Tirem os sapatos e falem a língua dos trabalhadores. Mais do que adotar um discurso de resistência, ocupem os espaços”, finalizou.
Alysson Leandro Mascara é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco - USP), livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito. Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo, é advogado e membro do Conselho Pedagógico da Escola de Governo, além de professor emérito e implantador de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito em várias instituições no Brasil. Autor, dentre outros livros, de "Estado e Forma Política" (Editora Boitempo), "Filosofia do Direito" e "Introdução ao Estudo do Direito" (Editora Atlas). Atua principalmente nos seguintes temas: Filosofia e Teoria Geral do Direito, Marxismo, Estado e Política.