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XXIV CNPT: ““Não saímos da crise porque ela é uma forma de governo”

XXIV CNPT: ““Não saímos da crise porque ela é uma forma de governo”

O professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Vladimir Safatle, ministrou palestra no XXIV Congresso Nacional dos Procuradores do Trabalho (CNPT), abordando o tema “O conceito da solidariedade social em horizonte de antagonismo: o valor social do trabalho e a crise democrática”.

No início da exposição, o palestrante citou a teoria de Thomas Hobbes acerca do surgimento do Estado. O notório filósofo do século XVI insistia que era impossível compreender como os sujeitos se relacionam com os poderes soberanos e entre si sem esclarecer o circuito de afetos que os motivam a tal. Para Hobbes, esse modelo de relação é constituído pelo medo.  

“O elemento central é que não há uma cooperação mútua entre os indivíduos. Antes de se instituir a sociedade, presume-se que havia a guerra de todos contra todos, uma vez que os indivíduos usavam da concorrência e da violência para exercer o direito de tudo desejar e possuir. Então o poder soberano se constitui. Quando há o medo, o Estado aparece”, explicou Safatle.

Evoluindo no tema, o docente explicou que nem sempre o medo da desposse ou da morte violenta são os fatores que geram insegurança ao cidadão, mas o medo da morte social. “Aceitemos que esse medo possa ter outras configurações. O medo social, da inexistência social, de que não sejamos capazes de responder de maneira satisfatória a um sistema de papéis e atividades que nos é pedido. Caso não integremos certas demandas de produtividade, não nos resta mais nada, exceto a mais completa insegurança social e econômica”, disse.

A análise filosófica que afirma ser o Estado um gerenciador do medo conduziu a exposição ao seu ponto crucial: dentro desse horizonte social, sendo o medo um elemento de coesão, os Estados passam a ser dependentes de um discurso de crise contínua, segundo Safatle. “Não saímos da crise porque ela é uma forma de governo. Não é mais um momento de contradição fundamental do processo produtivo, que deve ser superado, mas ela se perpetua, porque assim se justificam medidas excepcionais, que em outras circunstâncias não seriam aceitas pela população, porque precarizam o sujeito de forma clara”, afirmou o palestrante, se referindo às reformas trabalhista e previdenciária com sendo um exemplo dessa precarização imposta.

Para o palestrante, é necessário que a crise seja a justificação da concentração de riquezas, que resulta na quebra de toda e qualquer ideia de solidariedade social. Nesse contexto, se o que resta é gerenciar a insegurança, as pessoas devem admitir certa configuração social. “É importante compreender como, a princípio, vivemos em sociedade de livre escolha, mas é singular como essa sociedade nos lembra que não há escolha sobre o nosso modelo de vida social. Ou é isso, ou a desagregação absoluta”, apontou.

Dentro de uma dinâmica de crise como modo de governo, de acordo com Safatle, as ações de desmonte da estrutura previdenciária são justificadas. Para ele, as reformas que atingem os direitos sociais, são desenvolvidas para serem constantemente retomadas, com a repetição do discurso, de tempos em tempos. “O projeto é baseado em dois pés: no primeiro, cria-se na sociedade a consciência de que será necessária uma reforma infinita. Segundo, retira-se o que seria o sentimento contra esse tipo de iniciativa, que é a ideia de solidariedade social. Para quebrar a ideia de solidariedade social, nada melhor que a ideia do Estado corrupto”, afirmou.  

Safatle apontou exemplos de conflitos sociais que ocorreram durante reformas realizadas em outros países do mundo, como França e Alemanha, e disse que, no Brasil, a tendência é que o mesmo ocorra frente à subtração de direitos sociais. “Nenhum país onde a estrutura previdenciária foi desmontada deixou de sofrer conflitos sociais profundos. É ilusório imaginar que não estamos caminhando para o momento de conflito social e acirramento, especialmente porque as propostas são draconianas”, concluiu.

Vladimir Safatle é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Filosofia pela Université de Paris VIII, é articulista do jornal Folha de S. Paulo. Desenvolve pesquisas nas áreas de: epistemologia da psicanálise e da psicologia, desdobramentos da tradição dialética hegeliana na filosofia do século XX e filosofia da música.

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