Imagine a cena: uma criança branca, com uniforme de escola particular, começa a pedir trocados em algum semáforo. É bastante possível que a situação gere comoção entre os transeuntes, que a acolheriam e acionariam a rede de proteção da infância e até mesmo a polícia. Troquemos agora a criança branca uniformizada por uma negra, descalça e maltrapilha, faminta e fora da escola. Será que a reação popular seria a mesma?
A resposta é, muito provavelmente, não. A sociedade brasileira, forjada sob a influência da escravidão negra e a precarização quase absoluta das relações de trabalho, acabou por internalizar ou naturalizar situações de extremas violações de direito. Nenhuma sociedade que queira ser civilizada pode admitir tal situação. Nesse sentido, a OIT estabeleceu 2021 como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil.
Assim, os Estados devem adotar medidas para assegurar a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho infantil e, até 2025, acabar com a exploração de crianças e adolescentes em todas as suas formas. Essa luta já vem sendo travada internacionalmente e tem trazido bons resultados, contudo lentos e não igualitários entre os países.
Apesar da redução de 38% do trabalho infantil no mundo, entre 2000 e 2016, a projeção indica que sem ações contundentes a tendência é que este avanço diminua, de forma especial em tempos de pandemia. O Unicef alerta que a situação de trabalho precoce de crianças e adolescentes se agravou, particularmente, entre as famílias mais pobres, que sofrem cada vez mais os impactos econômicos e sociais da crise sanitária.
Em um contexto de ainda maior vulnerabilidade social e econômica das populações mais carentes, decorrente da pandemia da Covid-19, faz-se necessária a tomada de consciência da necessidade de expansão dos sistemas e programas de proteção social, incluindo transferências de renda, alimentação escolar e benefícios para a criança.
Por: Jailda Eulídia da Silva Pinto e Ulisses Dias de Carvalho - Procuradores do Trabalho
*O artigo foi publicado originalmente no Jornal do Commercio no dia 10.06.21*.