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Constituição: 30 anos

Estanislau Tallon Bozi*

Há trinta anos, grande parte da população parou para assistir à promulgação da nova Constituição Brasileira, denominada, então pelo presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 – Ulysses Guimarães, de Constituição Cidadã, dada a tendência do constitucionalismo daquele momento de elevar a nível constitucional direitos e deveres que poderiam muito bem constar na legislação ordinária, comum, infraconstitucional. Era um tempo de esperanças. O Brasil saía do regime militar e iniciava o processo de redemocratização. Embora com resquícios do período de exceção recém-encerrado – por exemplo, participação de senadores “biônicos”, eleitos indiretamente, fruto do denominado “Pacote de Abril”, do governo de Ernesto Geisel – a Assembleia Constituinte, em cerca de dois anos de amplos e profícuos debates, cumpriu sua missão.

Promulgada, sob a proteção de Deus, a Carta Política elegeu seus valores supremos (liberdade, justiça, segurança, igualdade, entre outros) e seus fundamentos, dos quais se destacam os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Ambos, portanto, no mesmo patamar. O trabalho vem antes, mas deve ser compreendido em sentido amplo, como “atividade humana”, que também possibilita a livre iniciativa.

Ao prever os Direitos e Garantias Fundamentais, o Legislador Constituinte inseriu um capítulo sobre os direitos sociais, nos quais se incluem o trabalho, o lazer e a previdência social.  No mesmo capítulo, prescreveu um amplo rol, não exaustivo, de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, muitos deles já existentes na legislação anterior à Constituição: salário mínimo, férias, décimo terceiro salário, fundo de garantia do tempo de serviço, adicionais de insalubridade e periculosidade, idade mínima para o trabalho, repouso semanal, remunerado, etc. Também inovou, ampliando o prazo de prescrição, criminalizando a retenção dolosa dos salários, protegendo a relação de emprego contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, possibilidade de compensação de horários e redução da jornada, fixação da duração do trabalho em turnos de revezamento, acréscimo de um terço sobre a remuneração nas férias, proporcionalidade do aviso prévio, adicional de penosidade, proteção contra a automação, equiparação entre empregados e trabalhadores avulsos, entre outros. Infelizmente, parte dessas prescrições depende de legislação complementar e não foram implementadas pelo Legislador Constituído.

Das mais de uma centena de emendas constitucionais neste trintênio, poucas atingiram os direitos sociais. Exemplificativamente, o artigo 6.º, que traz o rol dos direitos sociais, foi ampliado em 2000, 2010 e 2015, o que, em tese, reflete um ganho para a sociedade, que adquiriu mais direitos.

O artigo 7.º constitucional, que relaciona os direitos dos trabalhadores, foi objeto de quatro emendas: o salário-família, inicialmente destinado a todos os trabalhadores, foi restrito, em 1998, aos dependentes dos trabalhadores de baixa renda (inciso XII); em 2006, a assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas, iniciada com o nascimento, passou da idade de seis para cinco anos (inciso XXV); o prazo prescricional foi equiparado para todos os trabalhadores, sejam urbanos, sejam rurais, no ano 2000 (inciso XXIX); a idade mínima para ingresso no mundo do trabalho, em 1998, foi ampliada, de quatorze anos para dezesseis anos (inciso XXIII); e, por fim, seu parágrafo único, que conferia alguns direitos aos trabalhadores domésticos, teve significativa ampliação em 2013.

O artigo 8.º não recebeu qualquer alteração nestes trinta anos, mantendo-se a ampla liberdade de associação profissional e sindical, a proibição de interferência estatal no funcionamento das entidades sindicais, a unicidade sindical (proibição de mais de um sindicato representativo da categoria no mesmo local), a base territorial mínima equivalente a um município, a ampla representação sindical na defesa dos interesses categoriais, coletivos ou individuais, judicialmente ou não, e a garantia no emprego do dirigente sindical desde o registro da candidatura até um ano após o fim do mandato.

O artigo 9.º assegura o direito de greve e a competência dos trabalhadores para decisão do exercício desse direito. Aqui, tem-se grande avanço democrático, permitindo a atividade sindical e dos indivíduos na dialética social, transferindo à lei a definição dos serviços e atividades essenciais e do atendimento às necessidades sociais inadiáveis e o estabelecimento das punições no caso de abuso no exercício do direito.

Os artigos 10 e 11 garantiram a representação dos trabalhadores nos órgãos públicos colegiados que tratem de seus interesses e nas empresas.

Obviamente, muitos desses direitos ainda estão por ser concretizados. Assim, algumas propostas de convocação de assembleia constituinte demonstram-se descabidas. Ora, precisamos efetivar o que a sociedade – verdadeiro poder constituinte – elegeu como meta de realização do bem social. Do contrário, perpetuaremos uma cultura de desrespeito à lei e de pensar que tudo se resolve com a edição de novas normas.

A Constituição estabeleceu a ordem social tendo por base o primado do trabalho. Isso quer dizer que o trabalho é de maior importância, está em primeiro lugar, é prioritário.

Para fazer valer os direitos sociais e estabelecer o primado do trabalho, o Constituinte dotou o Ministério Público de feição inédita, desvinculando-o da representação processual e defesa da administração pública e transformando-o em verdadeiro advogado da sociedade e em “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (artigo 127).

Assim, integrando o Ministério Público da União, o Ministério Público do Trabalho nestes trinta anos tem atuado firmemente na defesa social nos temas relacionados ao mundo do trabalho, fazendo-o no combate a qualquer forma de discriminação (etária, racial, religiosa, sexual ou de qualquer outra natureza), à exploração do trabalho de menores, ao trabalho escravo, ao tráfico de pessoas, às irregularidades na administração pública e na terceirização, às fraudes, ao assédio moral e ao assédio sexual, na inserção no mercado de trabalho de pessoas com deficiência, na regularização das relações e condições de trabalho na administração pública e no trabalho portuário e aquaviário, na construção de meio ambiente de trabalho adequado e saudável e nas relações coletivas de trabalho, fomentando a liberdade sindical e o diálogo entre os atores sociais. A atuação volta-se à concretização dos direitos sociais ligados ao trabalho, na busca da pacificação social, pois a Paz é fruto da Justiça. No Estado do Espírito Santo, destaca-se, recentemente, sua atuação na tragédia do Rio Doce e na crise da Segurança Pública.

Que venham outros tantos jubileus da Lei Maior!

*Estanislau Tallon Bozi é procurador do Trabalho e professor de Ensino Superior. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais.

 

*OBS: Artigo publicado originalmente no site Tribuna On-line.

Autor(es)
ESTANISLAU TALLON BÓZI

ESTANISLAU TALLON BÓZI

PRT 17ª/ES

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