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DIA DO TRABALHO PARA QUEM?

* Por Adriana Augusta de Moura Souza

Em pesquisa sobre o Dia do Trabalho ou o Dia do Trabalhador, comemorado em 1º de maio, desde a oficialização da data pelo Decreto n. 4.859, de 26/9/1924, durante o governo do Presidente Artur Bernardes, as mais ostensivas matérias apresentadas nas redes sociais ou na internet centravam-se na indagação seguinte: é feriado ou ponto facultativo? As respostas revelam bem a desimportância histórica paulatinamente erigida sobre o trabalho e sua dimensão atual.

Nascido da luta por melhores condições de trabalho e, especialmente, pela redução da jornada para 8 horas diárias, o Dia do Trabalho foi criado no Brasil em homenagem aos “mártires do trabalho”, aludindo aos trabalhadores de Chicago que, em 1º de maio de 1886, iniciaram um levante (Haymarket Riot) que resultou em explosão de uma bomba, policiais e grevistas mortos e muita inquietação e ativismo contra a opressão da classe operária.

No Brasil, a Lei n. 10.607, de 19 de dezembro de 2002, decretou o 1º de maio como feriado nacional, mas retirou o caráter reivindicatório da data, que, cooptada por Getúlio Vargas, deu o lustro de dedicação à “confraternidade universal das classes operárias”. E desde então a data vem sendo esquecida como símbolo de resistência e luta.

O trabalho formalizado e carregado de direitos constitucionais não mais representa o sonho daquele que dispende energia e tempo para sua subsistência e/ou de sua família. Antes, a centralidade do trabalho na vida das pessoas era palpável, cheia de significados de pertencimento, de estabilidade produtiva e de pujança econômica de uma nação. Hoje, não mais.

O empreendedorismo, com suas verdades distribuídas em larga escala para agradar os incautos, os desesperançados ou os que apenas lutam por sua sobrevivência, já é o mantra dos negócios e da vida cotidiana entre os trabalhadores. Microempreendedores Individuais estão disseminados em várias atividades produtivas, desde a manicure do “salão parceiro” até o médico ou jornalista de grandes empresas. Além destes, com uma empresa constituída, os demais “pejotizados” são contratados como se celetistas fossem, com metas de produção, horários, subordinação e pessoalidade, mas, sob o manto de um contrato civil, são acolhidos por uma ideologia liberal sem precedentes, que anula o senso crítico capaz de se insurgir com a exploração.

E a exploração aqui mencionada é a mesma que fez explodir as greves e demais manifestações ao redor do mundo e que fez nascer a data tão emblemática do 1º de maio. Jornadas de 10, 12 ou 14 horas de trabalho, típicas de motofretistas entregadores de comida, falta de acesso aos benefícios da previdência social, porque autônomo não recolhe por si só a contribuição correlata diante do salário desproporcional à labuta diária, são realidades de antes e de agora, mas o véu da meritocracia inibe a luta coletiva por direitos mínimos, traçados no art. 7º da Constituição da República, uma vez que o individualismo é a tônica nos dias de hoje.

Não à toa os movimentos sociais e as entidades sindicais não mais arregimentam mentes e corações para o 1º de maio, deixando a letargia dominante fluir serena e de forma acomodada. Afinal, “colaborador” não reclama.

O trabalho assalariado no Brasil, com carteira assinada, está com os dias contados? A depender das decisões flexibilizadoras do Supremo Tribunal Federal, sim. Desde a ADPF 324, em que a terceirização foi permitida de forma irrestrita e as diferentes  formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos foram ressignificadas, vimos proliferar contratações de trabalhadores em diversas modalidades de prestação de serviços com balizas no direito comercial ou civil. A CLT, essa velha senhora, já remendada em tantas reformas, não é a bússola da vez. Mas todos esperam o 13º salário e o FGTS... E recorrem, ao final do contrato, à Justiça do Trabalho, marcando a fraude como substrato da realidade do trabalho prestado. Essa justiça, contudo, vem sendo atacada, também pelo STF, porque desrespeita a ADPF 324!

Descrédito ou Reafirmação? Dia do Trabalho para quem? Que país queremos? Quais relações trabalhistas e humanistas queremos?  Ficam as indagações para todos e todas nós.

*Procuradora do Trabalho, atual presidenta da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho 

**Artigo publicado originalmente na revista Justiça e Cidadania. (https://lnk.bio/s/jcrevista/anpt297)

 

Autor(es)
ADRIANA AUGUSTA DE MOURA SOUZA

ADRIANA AUGUSTA DE MOURA SOUZA

PRT 3ª/MG

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