Na fila da praça de alimentação, num cantinho do Shopping, o rápido acordo entre duas senhorinhas com uniformes de conhecidas redes de lanchonetes - fast-foods -, uma de massas e outra de sanduíches, chama a atenção. Combinaram trocar o “almoço”. As duas fizeram o mesmo comentário. Não aguentavam mais comer “aquilo”.
A súbita atenção à conversa alheia fez lembrar o maravilhoso recital da multiartista Elisa Lucinda. Com graça e arte, a poeta capixaba confessa um especial interesse em ouvir conversas casuais de terceiros desconhecidos. Chama isso de responsabilidade social. Com beleza poética, anuncia que todas as palavras são pontes.
Nada de errado com a negociação. O escambo, ou a permuta, consiste em uma prática antiga. Por meio dele procedia-se à troca de bens ou serviços, sem o envolvimento de dinheiro. No Brasil, sabe-se que foi utilizado nas relações dos portugueses com os índios. Os nativos não conheciam a moeda.
A sofisticada monetização da sociedade moderna não eliminou a prática. Continua relevante em culturas, grupos ou comunidades específicas ou em regiões economicamente menos desenvolvidas. Quando a moeda oficial sofre desvalorização, verifica-se o fortalecimento do escambo.
Entre recordes, pódios e medalhas, a imprensa relatou as precárias condições dos trabalhadores nos locais de provas das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Extensas jornadas de trabalho sem intervalo e o calor geraram insatisfação.
A alimentação liderava as reclamações do público. Mas ficou claro que o tratamento dispensado a trabalhadores das praças de alimentação era ainda pior. Cerca de 6,5 mil funcionários contratados como garçons ou vendedores de comida nas instalações olímpicas foram servidos por comida de baixa qualidade. Muitos reclamaram da falta de refeições.
Como é usual, os maiores problemas tinham como vítimas os trabalhadores terceirizados. Um deles denunciou que eram “tratados como bicho”.
No jogo de empurra, as empresas e os organizadores apressaram-se em transferir as responsabilidades. Nessa modalidade, não há pódio nem medalhas em disputa.
Em princípio, o empregador não está obrigado a fornecer a alimentação. Trata-se de uma das necessidades vitais básicas que deveriam ser custeadas pelo salário. Nesse sentido, a atual Constituição brasileira renova dispositivo que teve origem nas Comissões de Salário, de 1936, que já atribuía ao salário essa função.
O próprio adicional de insalubridade (Inglaterra, século XVIII; e EUA, século XIX) surgiu com a função de melhorar as possibilidades de alimentação dos trabalhadores expostos a condições mais gravosas e, assim, reduzir as faltas decorrentes das doenças ocupacionais.
Embora não esteja obrigado a fornecer a alimentação, é comum que o empreendedor a tanto se obrigue. A obrigação surge por norma coletiva ou por liberalidade. Em geral, é um estratagema para atrair o interesse dos trabalhadores, compondo o tão sonhado pacote de benefícios.
Em relação às senhorinhas da praça de alimentação, é sabido que o dissabor relatado já ganhou eco nos tribunais.
Há decisões rejeitando a possibilidade do fornecimento do lanche de fast foods em substituição à refeição estipulada em norma coletiva. Uma decisão, do TRT de São Paulo, destaca o elevado teor calórico e o questionável valor nutritivo dos produtos de uma rede de lanchonetes. Ressalta a notória impropriedade do seu consumo diário. Classifica o hambúrguer fornecido aos trabalhadores como alimento trash (lixo, em inglês).
Seria possível melhorar a situação? Parece um sonho. Vivê-lo custa caro.
Um tema tão indigesto merece um verso (Elisa Lucinda) por desfecho. “Uma vez vivido, o sonho está sempre num ótimo preço!”.