IGUALDADE DE GÊNERO
O 8 de março e a licença parental compartilhada
PEC equipara direitos entre homens e mulheres ao substituir licença-maternidade
Está em tramitação no Congresso Nacional a PEC 229/2019, de autoria da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que dispõe sobre a licença parental compartilha, com alteração do inciso XVIII, do artigo 7° , e que também revoga o inciso XIX da CF/88 e o §1° do artigo 10).
De acordo com os dados da ONU e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), há em âmbito mundial a necessidade de igualdade de gênero, em especial no que concerne à remuneração e ao trabalho. Inclusive, esta é uma das metas da agenda da ONU 2030 – a qual o Brasil aderiu – pela igualdade de gênero em termos mundiais.
No Brasil, constatou-se, especialmente pela pesquisa “Estatísticas de Gênero – Indicadores Sociais das Mulheres” (IBGE), que o trabalho do gênero feminino é remunerado em média 72,7% a menos do que é pago no sistema celetário (privado) para homens. Ainda conforme o instituto, a diferença salarial média entre homens e mulheres para as mesmas funções é em torno de R$ 500 a mais para os homens.
O mais curioso é que, contrariando o discurso da mídia oficial, que entende estar o problema relacionado à falta de qualificação feminina, quanto mais qualificada é a mulher, maior a assimetria de remuneração de gêneros, em favor dos homens. Segundo o Banco Mundial, em termos internacionais, o Brasil é um dos piores países em diferença de renda entre homens e mulheres. Como é sabido, a assimetria de remuneração é um dos grandes fatores de formação de minorias discriminadas e subalternizadas.
Esta assimetria remuneratória de gênero decorre de vários fatores, sendo os mais importantes o acúmulo de jornadas de trabalho do gênero feminino fora de casa, com o trabalho no lar (de cuidado com os filhos e com a casa, os quais lhe são atribuídos como “papéis naturais”), além do fato de que ela é a única a sair de licença por ocasião do nascimento dos filhos, a chamada licença à gestante. Há necessidade de ressignificação destes “papéis fixos” de gênero.
Além deste acúmulo de jornada ter como consequência a remuneração a menor do gênero feminino, causa também discriminação à mão de obra feminina, seu subemprego (como por exemplo o trabalho intermitente) e seu desemprego ficando o trabalho sem o patamar mínimo civilizatório de proteção da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
É muito comum a mulher ser dispensada sem justa causa, após o seu retomo ao trabalho, o que interfere negativamente na sua carreira profissional, afeta
significativamente sua remuneração e dificulta sua (re)contratação. Também a mulher amiúde trabalha em condições de terceirização, estando mais sujeitas a acidentes de trabalho, o que vai de encontro à Teoria Fundamental ao Trabalho Digno[3] e a Teoria Feminista Decolonial.
Para além do âmbito privado, mesmo no âmbito do serviço público há assimetrias profundas de ocupação de cargos de poder entre o gênero feminino e o masculino, decorrentes também das chamadas duplas e triplas jornadas femininas. Isso ocorre também na parca representação de mulheres no Congresso Nacional.
Atualmente, por reserva legal, a licença à gestante é de 120 dias, sendo de 5 dias o período de licença para o pai. Caso haja a adoção em âmbito celetista do programa Empresa Cidadã (Lei 11.770/2008 e Lei 13.257/2016), a licença à gestante passa de 120 para 180 dias – o que já foi objeto de ratificação para o serviço público federal e vários estados também já adotaram para o serviço público estadual). Neste caso, a licença do pai chega a 20 dias.
A licença-paternidade prevista ao homem no Brasil é de apenas e tão somente cinco dias, artigo 10, §1º, da ADCT, CF/88, tanto em âmbito celetista quanto em âmbito estatutário federal. Ou seja, a licença-paternidade é de 4,16% do tempo de duração da licença concedida para a mulher (120 dias).
Na licença-maternidade de 180 dias, a licença-paternidade vai para 20 dias, ou 11,1% do tempo de duração da licença para a mulher.
Pela CLT, já é possível que a licença à gestante seja transferida do gênero feminino ao masculino, artigo 392-B, CLT, mas apenas e tão somente no caso de morte da genitora.
No âmbito da União Europeia, já há a Diretiva 2010/18 do Conselho da União Europeia, que estimula a adoção pelos países-membros de pelo menos três meses de licença parental, enquanto chave de leitura para conciliar responsabilidades profissionais e familiares e promoção de igualdade de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres.
Na Dinamarca, desde 1980 já ocorre a chamada licença extensiva ao pai, ou seja, licença após o parto de 24 semanas e a partir da 14ª semana quem pode gozá-la é o pai, conforme escolha do casal.
Na França, a licença parental existe desde 1991, e há países onde a licença passou a ser dividida de forma obrigatória entre homens e mulheres, como Portugal e Suécia. Em âmbito mundial, diversos países já adotam a licença parental.
A licença parental compartilhada está em total conformidade com duas das convenções internacionais no temário combate à discriminação que fazem parte do Core Labor Standard (CLS), sendo também parte da Constituição da OIT, a Convenção nº 100 (Igualdade de Remuneração para a mão de obra Masculina e a mão de obra Feminina por um Trabalho de Igual Valor), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 41.721/57 e a Convenção nº 111 (Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão), promulgada pelo Decreto nº 62.150/68.
A licença parental compartilhada também tornará mais efetivas as Convenções n° 95 (Proteção ao Salário), promulgada pelo Decreto nº 41.721/57, e a Convenção n° 103 da OIT (Amparo a Maternidade), de 1952, promulgada pelo Decreto nº 58.820/66.
A licença parental compartilhada está ainda em total harmonia com outras Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil: a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará em 1994, promulgada pelo Decreto nº 1.973/96, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979, da ONU, e integrada ao direito nacional pelo Decreto nº 4.377/02.
Ademais, a substituição da licença-maternidade pela licença parental compartilhada, na qual os pais decidem quem ficará com o filho e por qual período cada um, permitirá a igualdade na continuação das carreiras profissionais e maior convivência de ambos com o bebê.
Por fim, está sub judice no STF o RE 1348854, tema de repercussão geral do catálogo do STF, número 1.182, que trata da possibilidade de gozo pelo pai da licença à gestante.
O Brasil é um Estado democrático de Direito constitucionalmente comprometido com a promoção do bem de todos e todas, sem preconceitos de gênero, origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, bem como com a erradicação da pobreza e da marginalização, como garantia do desenvolvimento nacional e na perspectiva de construção de uma sociedade sem discriminações, mais igualitária, livre, justa e solidária .
É de primordial importância a aprovação da PEC 229/2019 para que o Brasil possa chegar mais perto dos melhores ideais de não discriminação do gênero feminino, notadamente no mercado de trabalho, de ressignificação de papéis de gênero da criação dos filhos, de simetria de gêneros e de cumprimento das normativas decorrentes de compromissos internacionais que nosso país adotou.
*Artigo originalmente publicado pelo Jota em 08/03/2022. Disponível em: link: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/licenca-parental-compartilhada-8-de-marco-08032022