“Coifar a fogueira, queimada roseira
Enxada na cova, berduega na beira
Domar pau urtiga, na folha a formiga
A chuva não chega, a seca nos tira
Vontade de plantar e colher
E nem água pra beber
Vontade de plantar e colher
E nem água pra beber
No ombro o bornal, açúcar e sal
Feijão e farinha, cristal na lapinha
O tempo nos rouba a água salobra
Algodão nenhuma arroba de fruta só pinha
Juazeiro ainda está verde
E essa gente é feliz
Vai matando sua sede
Grudado na sua raíz”.
Com esse trecho da música Seca Verde, cantada por Zezé di Camargo e Luciano, falo aqui sobre aquelas pessoas humildes, que detêm o sofrimento e o envelhecimento estampados no rosto e que, por sua simplicidade, são tratadas de forma simplista.
Tratar com simplismo é desconsiderar aspectos fundamentais do ser humano, seja em sua vida relacional ou profissional, implicando desrespeito a aspectos relevantes, ainda que aquela pessoa seja simples no seu modo de vida, como ocorre com o trabalhador rural.
Apenas ilustrando as palavras, não é porque o trabalhador disse em uma certa manhã, no seu jeito simples, com a devida licença poética, que o “trabaio é arrochado, mai as condição inté que num tá das pió não”, que merece o tratamento simplista do empregador ou da ordem jurídica que o tutela.
O trabalhador rural, do ponto de vista do reconhecimento de direitos trabalhistas, passou por três fases evolutivas: fase de restrição de direitos, pela exclusão da categoria no art. 7°, “b”, da CLT, na qual se estendia a ele somente salário mínimo, férias, aviso prévio e remuneração; fase de aproximação das situações jurídicas, que deu início em 1963 com o Estatuto do Trabalhador Rural (lei 4.214/63), posteriormente com a lei 5.889/73 e finalmente com a Constituição de 1988, trazendo a paridade jurídica entre os dois segmentos; seguido da fase contemporânea, com a emenda constitucional 28/2000, que unificou o prazo prescricional, e com a criação da NR 31 do Ministério do Trabalho e Emprego.
A especificidade da NR 31 do MTE trouxe, para o trabalho no campo, uma forma complexa de cumprimento mínimo de direitos trabalhistas, mas que não se revela complicada frente ao dever ser, como se vê com a permissão de substituição de camas por redes, a depender dos costumes da região.
Embora toda a evolução acima descrita, é fato que ainda há uma dificuldade de adequação à ordem jurídica trabalhista nessas áreas rurais.
É comum o fundamento de que o trabalhador rural não gosta de utilizar os equipamentos de proteção individual, como filtro solar, luvas, botas e até mesmo aquelas roupas de proteção contra os agrotóxicos, seja pelo calor ou costume. No entanto, por estudos técnicos, aprofundados e por delegação constitucional, temos normas indisponíveis a serem respeitadas e esse mesmo trabalhador que, inicialmente, tem a dificuldade de cumpri-las, por ser rústico o seu modo de vida e de trabalho, será agradecido, resguardado e compensado pela sua qualidade de vida, segurança e saúde no presente e futuro.
Com isso, embora já haja a equiparação jurídica entre o empregado rural e o urbano, fica claro que não estamos diante de uma equiparação fática no reconhecimento dos direitos fundamentais.
A ideia aqui é apenas fazer uma reflexão, ainda que encantado com o modo de vida sertanejo, de que ainda há muito o que fazer por esses trabalhadores rurais, para que possuam o mesmo tratamento digno do trabalhador urbano, mesmo se reconhecendo a desigualdade na simplicidade, a fim de não se fomentar o simplismo jurídico e comportamental.
Que sigamos sempre do lado do bem, reflexivos, indignados, criando racionalidade em um mundo em que se produz e reproduz, conscientemente ou não, tanta irracionalidade.
MARCEL BIANCHINI TRENTIN é Procurador do Trabalho em Alta Floresta