Nota Técnica
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONAMP, neste ato representada por seu Presidente MANOEL VICTOR SERENI MURRIETA E TAVARES, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA – ANPR, neste ato representada por seu Presidente FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT, neste ato representada por seu Presidente JOSÉ ANTONIO VIEIRA DE FREITAS FILHO, a ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – AMPDFT, neste ato representada por seu Presidente TRAJANO SOUSA DE MELO e a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR – ANMPM, neste ato representada por seu Presidente EDMAR JORGE DE ALMEIDA, vem a público se manifestar sobre a Proposta de Emenda à Constituição – PEC, que pretende alterar o art. 130-A, caput, incisos I a VI e §§ 1º e 3º da Constituição Federal para atribuir nova composição ao Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, bem assim com intuito de alargar a legitimidade passiva para concorrer ao cargo de Corregedor Nacional do Ministério Público.
1. Em sua apresentação e justificativa, o texto da proposta sob referência é explícito em dizer que:
“A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional no 35, de 30 de dezembro de 2004, instituiu o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, cuja instalação oficial se deu em 21 de junho de 2005. O CNMP completa em 2020 o marco simbólico de 15 anos de efetivo funcionamento, com relevantes serviços prestados ao país e ao sistema de justiça”.
“O tempo, porém, revelou a existência de algumas deficiências na estrutura do CNMP bem como a necessidade de se esclarecerem certos aspectos de seu funcionamento. Tais alterações visam também assegurar que o CNMP consiga ampliar a eficácia de sua atuação e, com isso, eliminar certa sensação de corporativismo e de impunidade em relação aos membros do Ministério Público que mereçam sofrer sanções administrativas por desvios de conduta”. (grifei)
2. Estribado na justificativa citada, são propostas as seguintes alterações na composição e na legitimidade originária para ocupar o cargo de Corregedor Nacional do Ministério Público:
“Art. 130-A O Conselho Nacional do Ministério Publico compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:
I – o Procurador-Geral da República;
II – três membros, cada um escolhido dentre as carreiras do Ministério Público Federal, do Ministério do Trabalho e do Ministério Público Militar;
III – três membros do Ministério Público dos Estados e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
IV – dois ministros ou juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e um pelo Superior Tribunal de Justiça;
V – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI – dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
VII – um membro do Ministério Público, oriundo de quaisquer de seus ramos, indicado alternadamente para cada mandato pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, nesta ordem.
§ 1º Os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados pelo conjunto dos respectivos Ministérios Públicos.
(...)
§ 3º O Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, vedada a recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes:
(...)”
Art. 2º Esta emenda constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
3. A priori, a justificativa da proposta de emenda traz referências à atuação do Conselho Nacional do Ministério Público e dos relevantes serviços prestados ao longo dos 15 anos de existência, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, para, em seguida, se referir a necessidade de alteração da composição para ampliar “a eficácia de sua atuação e, com isso, eliminar certa sensação de corporativismo e de impunidade em relação aos membros do Ministério Público que merecem sofrer sanções administrativas por desvios de conduta”
I) DA GÊNESE DO CNMP E LIMITES DE ATUAÇÃO:
4. A Constituição Federal, ao receber os acréscimos decorrentes da EC n. 45/2004, passou a contemplar a criação do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP e do Conselho Nacional de Justiça – CNJ como órgãos de controle administrativo e financeiro, com função correcional. Na formação de ambos os Conselhos foram incluídas, de forma similar e equilibrada, representações do Senado, da Câmara dos Deputados e da Ordem dos Advogados do Brasil, que, além de ser a única instituição externa que conta com dois conselheiros de indicação exclusiva, ainda possui outro assento de destaque na composição da mesa tanto do CNMP quanto do CNJ, ocupados por representantes do seu Conselho Federal.
5. Contata-se, à saciedade, que a atual composição atende aos ideais de interesse público e de multisetorialidade, pois congrega integrantes de várias instituições que com seu conhecimento, experiência e representação vêm contribuindo para o aperfeiçoamento do Ministério Público Brasileiro.
6. Ao tratar dos limites de atuação do Conselho Nacional de Justiça, afirmando que as mesmas balizas se aplicam ao Conselho Nacional do Ministério Público, Alexandre de Moraes faz lembrar que, em regra, “será defeso ao Conselho Nacional de Justiça apreciar o mérito do ato administrativo dos demais órgãos do Poder Judiciário, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto de sua legalidade e moralidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente o ordenamento jurídico”.
II) DOS FUNDAMENTOS DA PROPOSTA APRESENTADA:
7. No que concerne especificamente ao invocado como justificativa à PEC ora analisada, imperioso registrar que não existe postura de corporativismo ou de renúncia ao cumprimento das funções por qualquer dos Conselheiros que já integraram ou integram o CNMP, sendo certo que suas indicações e escolhas sempre se deram com adstrita observância aos ditames dispostos na Constituição Federal.
8. A invocação de suposto corporativismo constante da proposta certamente não leva em conta centenas de processos disciplinares que resultaram em sanções de advertência, censura, suspensão e até de demissão impostas a membros do Ministério Público brasileiro. Em 15 anos de funcionamento, os processos disciplinares instaurados no Conselho Nacional do Ministério Público, assim como os da competência do Conselho Nacional de Justiça, sempre transcorreram de forma célere, transparente e com julgamentos realizados em sessões públicas, transmitidas pela rede mundial de computadores – internet.
9. É perfeitamente possível a qualquer cidadão acompanhar, com absoluto respeito ao princípio constitucional da publicidade, o funcionamento dos referidos órgãos de controle externo da Magistratura e do Ministério Público, que inegavelmente têm prestado relevantes serviços ao país.
10. A relevância e trabalho do CNMP são amplamente reconhecidos, já tendo sido objeto de referência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, em palestra proferida na abertura do “Seminário 30 anos da Constituição Federal”, quando explicitou que “a criação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) fortaleceu o Ministério Público brasileiro, em razão de o órgão de controle atuar como formulador e coordenador de boas práticas institucionais”
11. Possíveis inconformismos com decisões proferidas pelo CNMP, inclusive em sede de apreciação de processos disciplinares, são naturais mas não podem legitimar, em um Estado Democrático de Direito, reações que, na prática, vão ocasionar a quebra do equilíbrio entre os diversos ramos do Ministério Público da União, com a supressão da representação institucional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
12. Ressalte-se que a Carta Constitucional, além da plena representatividade social, já prevê o controle político dos processos de indicação dos Conselheiros do CNMP, que, como é cediço, são submetidos a sabatina e aprovação do Senado Federal, sendo injustificada, pois, qualquer alteração de composição ao singelo argumento de um inexistente corporativismo ou impunidade. Nesse ponto, convém destacar os dados estatísticos que amparam a constatação de que o CNMP atua contundentemente contra desvios e abusos praticados por membros do Ministério Público. Nas análises comparativas (fontes: “MP um retrato 2020 - CNMP” e “Relatório Justiça em números 2020 - CNJ”), no período de 2005 a 2019, a quantidade de PADs julgados pelo CNMP foi 101,09% superior à de julgados pelo CNJ, o que resulta em quase três vezes mais julgamentos de procedimentos para cada mil integrantes do MP brasileiro (o CNMP julgou 16,42 PADs para cada mil integrantes do MP, período em que o CNJ julgou 5,8 para cada mil integrantes do Poder Judiciário). No mesmo intervalo de tempo, a quantidade de penalidades aplicadas pelo CNMP é 58,62% superior à de penas aplicadas pelo CNJ, o que resulta, novamente, em mais do que o dobro de penalidades aplicadas a cada mil integrantes do MP brasileiro, em comparação ao mesmo cenário no CNJ. Verificou-se, do mesmo modo, que o CNMP aplica penalidades em aproximadamente 2/3 dos procedimentos julgados pelo Conselho. Tais números indicam claramente que inexiste omissão e postura corporativa dos órgãos de controle na atual composição e forma. Outros dados relevantes estão relatados à exaustão na página do CNMP da internet, que pode ser acessada pelo link https://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/2021/mar%C3%A7o/corregedoria _atuacao.pdf
13. Ao seu tempo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3367, analisando a formatação constitucional do Conselho Nacional de Justiça firmou entendimento de que tal conselho integra o próprio Poder Judiciário, não se mostrando como órgão de controle externo, mas órgão interno de controle administrativo e financeiro, verbis:
“EMENTAS: 1. AÇÃO. Condição. Interesse processual, ou de agir. Caracterização. Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura antes da publicação oficial da Emenda Constitucional nº 45/2004. Publicação superveniente, antes do julgamento da causa. Suficiência. Carência da ação não configurada. Preliminar repelida. Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Devendo as condições da ação coexistir à data da sentença, considera-se presente o interesse processual, ou de agir, em ação direta de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional que só foi publicada, oficialmente, no curso do processo, mas antes da sentença. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados membros carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. 5. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão administrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e constante do Projeto que resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004. Supressão pelo Senado Federal. Reapreciação pela Câmara. Desnecessidade. Subsistência do sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado (art. 103-B, § 4º, III). Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art. 95, I, parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência. Arguição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de projeto que, na redação remanescente, aprovada de ambas as Casas do Congresso, não perdeu sentido normativo. 6. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Membro. Advogados e cidadãos. Exercício do mandato. Atividades incompatíveis com tal exercício. Proibição não constante das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Pendência de projeto tendente a tornála expressa, mediante acréscimo de § 8º ao art. 103-B da CF. Irrelevância. Ofensa ao princípio da isonomia. Não ocorrência. Impedimentos já previstos à conjugação dos arts. 95, § único, e 127, § 5º, II, da CF. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido aditado. Improcedência. Nenhum dos advogados ou cidadãos membros do Conselho Nacional de Justiça pode, durante o exercício do mandato, exercer atividades incompatíveis com essa condição, tais como exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério, dedicar-se a atividade político-partidária e exercer a advocacia no território nacional.”
14. Este entendimento, que deve ser replicado para o Conselho Nacional do Ministério Público, torna questionável a assunção de funções de Corregedor Nacional do Ministério Público por pessoa não pertencente a uma das carreiras do Ministério Público brasileiro, a uma pela paridade constitucionalmente firmada entre Ministério Público e a Magistratura nacional, a duas em razão da própria melhoria de eficácia nas ações do Conselho Nacional do Ministério Público que se pretende obter com a PEC em debate. Por fim, distribuir funções de direção do Conselho Nacional do Ministério Público, como a função de Corregedor Nacional, a conselheiro que não integra a carreira do Ministério Público seria, igualmente, desnaturar suas funções de controle interno para um órgão de controle externo.
15. A tudo somam-se, em virtude das já afirmadas similaridade funcional e estrutural dos órgãos de controle da Magistratura e do Ministério Público, a impropriedade da tentativa de modificação da estrutura apenas do CNMP, bem como a possibilidade de afronta à autonomia e à independência que, por determinação constitucional, distinguem o Ministério Público brasileiro, decorrente da pretensão de se admitir que o Corregedor Nacional seja alguém estranho aos quadros da Instituição.
Ante todo o exposto, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONAMP, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA – ANPR, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT e a ASSOCIAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS – AMPDFT, manifestam-se desfavoravelmente à apresentação da proposta de emenda à Constituição.
Brasília-DF, 25 de março de 2021.
Manoel Victor Sereni Murrieta e Tavares
Presidente da CONAMP
Fábio George Cruz da Nóbrega
Presidente da ANPR
José Antonio Vieira de Freitas Filho
Presidente da ANPT
Trajano Sousa de Melo
Presidente da AMPDFT
Edmar Jorge de Almeida
Presidente da ANMPM